Artesãos do Brasil: pela valorização do legado sociocultural e histórico do fazer manual

By Fashion Revolution Brazil

1 month ago

No Brasil, a profissão de Artesão foi reconhecida apenas em 2015 e, ainda hoje, esses trabalhadores lidam com invisibilização e condições precárias de trabalho.

por: Claudia Castanheira

O reconhecimento oficial da profissão de artesão no Brasil, por meio da Lei nº 13.180 em 2015, representou um marco importante na história do trabalho manual no país. Essa conquista foi resultado de décadas – se não séculos –  de luta e mobilização por parte dos artesãos, que enfrentaram a ausência de reconhecimento legal por anos, além de condições de trabalho muitas vezes precárias e de uma sistemática desvalorização de seu trabalho.

A lei, embora ainda seja bastante concisa, deu o primeiro passo em direção à criação da Comissão Nacional do Artesanato e à instituição do Programa do Artesanato Brasileiro,  responsável pela elaboração de políticas públicas de apoio ao setor e pela Carteira Nacional do Artesão. Entre os pontos importantes assegurados pela lei estão, por exemplo, a valorização da identidade e cultura do artesanato nacional; a integração da atividade artesanal com outros setores; programas de desenvolvimento econômico e social para artesãos; a qualificação permanente dos artesãos e o estímulo ao aperfeiçoamento dos métodos e processos de produção; o apoio comercial e a certificação da qualidade.

Historicamente, um dos principais motivos para a invisibilização das técnicas manuais e do trabalho artesanal se liga ao desenvolvimento do sistema capitalista, que coincidiu com o desenvolvimento da revolução industrial. Gradativamente, o modo de produção capitalista priorizou a produção em massa e a eficiência produtiva, em detrimento da qualidade e do valor cultural das técnicas manuais. Como resultado, os artesãos foram sendo marginalizados e relegados a uma posição secundária na cadeia produtiva, enquanto as indústrias modernas ganhavam espaço e dominavam o mercado com seus produtos padronizados e de baixo custo. Essa transição, que foi global e só foi ainda mais acelerada ao longo dos séculos, teve um impacto profundo na forma como o trabalho manual foi percebido e estabelecido na nossa cultura.

Atualmente, essa mentalidade voltada para a maximização dos lucros e a redução de custos ainda persiste na indústria da moda contemporânea. A busca incessante por lucros rápidos e a produção de roupas em larga escala muitas vezes resultam na utilização de mão de obra barata e em condições precárias, relegando o valor do artesanato a um segundo plano. Essa abordagem desconsidera a qualidade e a autenticidade das peças artesanais e também os impactos sociais e ambientais de práticas de produção desumanas e pouco éticas.

Muitas marcas de luxo e de alta-costura que dizem valorizar o artesanato já foram acusadas de plagiar, se apropriar ou até mesmo não remunerar – ou remunerar muito mal – os artesãos, não oferecendo nem o reconhecimento criativo e intelectual desenvolvido, e nem o financeiro.

Além disso, a obsolescência programada das nossas roupas, combinada com práticas de cópia e apropriação indevida de ideias, são exemplos concretos dos desafios enfrentados pelos artesãos na era atual no setor da moda. Muitas marcas de luxo e de alta-costura que dizem valorizar o artesanato já foram acusadas de plagiar, se apropriar ou até mesmo não remunerar – ou remunerar muito mal – os artesãos, não oferecendo nem o reconhecimento criativo e intelectual desenvolvido, e nem o financeiro. Essas práticas minam a integridade desse tipo de trabalho e perpetuam uma cultura de exploração e desvalorização dos profissionais por trás das criações.

É essencial reconhecer, inclusive, que o trabalho artesanal não se limita apenas à confecção de peças, mas engloba todo um conjunto de técnicas e conhecimentos transmitidos ao longo de gerações, que carregam consigo a identidade cultural e o patrimônio histórico imaterial da nossa sociedade. Por isso, quando a indústria da moda coopta esses saberes apenas para o lucro e não os reconhece em toda a sua potência sociocultural, ela ajuda a descaracterizar essas tradições culturais, além de validar a precarização do trabalho e do fazer manual.

No entanto, apesar desses desafios, há, também, uma crescente conscientização sobre a importância do trabalho artesanal na indústria da moda. Apesar de poucas, há marcas que realmente valorizam e incorporam técnicas tradicionais em suas coleções, reconhecendo o valor cultural e a singularidade que os artesãos trazem para o setor.

Paralelamente, há, também, diversas iniciativas e movimentos que buscam promover o reconhecimento do trabalho artesanal e garantir condições mais justas e dignas para os artesãos. O MÃOS – Movimento de Artesãs e Ofícios e a Rede Artesol são exemplos de organizações que atuam nesse sentido, fornecendo suporte, capacitação e oportunidades de comercialização para os profissionais do artesanato.

No entanto, não há como negar: ainda há um longo caminho para garantir que essas pessoas tenham seus trabalhos respeitados e é necessário que nós, enquanto cidadãos, também nos questionemos sobre a perpetuação do artesanato enquanto patrimônio imaterial e enquanto resistência histórica, social e cultural.

O primeiro Dia das Manualidades na Rua promovido pelo Fashion Revolution Brasil acontecerá no sábado, dia 20 de abril de 2024

É nesse contexto que o Fashion Revolution Brasil convida a todas as pessoas para participar do primeiro Dia das Manualidades na Rua, no dia 20 de abril, durante a Semana Fashion Revolution. Essa iniciativa, que acontecerá em diversas cidades do Brasil e do mundo, tem o objetivo de ser um momento de celebração coletiva às manualidades.

Traga suas linhas, seu crochê e sua disposição para reparar suas roupas e participar desse movimento de valorização do trabalho artesanal. Ou, caso você prefira, venha somente observar artesãos e demais pessoas fazendo suas manualidades! Você pode conferir a agenda do Dia das Manualidades na Rua pelo site da Semana Fashion Revolution 2024.

 

Texto escrito por Claudia Castanheira, comunicadora socioambiental, mestra em Discurso e Sustentabilidade (USP), e redatora do Fashion Revolution Brasil.