Sustentabilidade e moda no contexto da educação

By Fashion Revolution

4 years ago

Este trabalho é de autoria de Felipe Fonseca (UDESC) e faz parte do Fórum Fashion Revolution 2019. As inscrições para o Fórum Fashion Revolution #Digital  estão abertas até  10 de agosto: não perca.

O trabalho apresenta resultados preliminares do projeto de pesquisa “Observatório de aproveitamento de resíduos têxteis”, coordenado pela Prof. Dr. Neide Schulte e vinculado ao Laboratório, Moda, Artes, Ensino e Sociedade da UDESC. Para essa comunicação, objetivou-se apresentar um breve panorama acerca do ensino da sustentabilidade no estado de Santa Catarina, a fim de propor reflexões sobre a transformação social e política através da educação e da formação das profissionais da área. A pesquisa utilizou como métodos o levantamento bibliográfico e a análise documental em projetos curriculares e resoluções nacionais aplicáveis a estes.

Reflexões acerca do sistema de moda

Na sociedade moderna a mudança se torna a tradição. Consequentemente, a velocidade com que o novo se apresenta faz com que, na indústria da moda, principalmente, o ciclo de produção seja simultâneo ao do descarte, ambos em quantidade extraordinariamente grandes. O resultado deste processo é a banalização da produção e um excedente de produtos, sem que o seu real valor seja questionado: além do custo da produção, são ignorados os custos gerados ao meio ambiente e às pessoas envolvidas na geração do produto. Soma-se à possibilidade de aquisição  do novo a necessidade causada pela obsolescência precoce dos produtos, além da atraente performance de uma subjetividade por vezes irreal. Na conjuntura da produção massificada após a segunda guerra mundial, surge a pauta da sustentabilidade na moda durante a década de 1960, quando aparecem, no Brasil e no mundo, as primeiras preocupações com o impacto ambiental causado pela indústria têxtil, segundo Berlim (2012).

O ensino da sustentabilidade na moda

Os cursos superiores em moda surgem no Brasil no contexto da aceleração da indústria têxtil e do vestuário ao final da década de 1980, segundo Pires (2002, p. 4), a fim de atender à demanda por profissionais da área. Contudo, a pessoa egressa desses cursos obtinha formação com foco artístico e estilístico, distante dos parâmetros técnicos necessários à indústria. Assim, acredita-se que a criação dos cursos superiores estaria mais vinculada a uma diferenciação de classes, a fim de ampliar a diferença de status entre costureira e estilista, técnico e bacharel.

Ao longo da década de 1990 houve um expressivo crescimento dos cursos de moda no Brasil. Ao mesmo tempo, o campo do design conquistou grande espaço e notoriedade, tornando-se, no âmbito educacional, o principal  responsável pela criação de produtos, inclusive os de vestuário. Em 2004, o Ministério da Educação publicou parecer estabelecendo diretrizes curriculares que aproximavam os criadores do vestuário ao campo do design. Passados 26 anos, desde a criação do primeiro curso de Moda no Brasil, que se ocupava da formação do estilista, houve alternância do campo e a formação em Moda passou a constituir o campo do Design de Moda ou, na terminologia de Christo (2013), o campo de produção de objetos do vestuário, no qual se legitima e consagra o designer, não mais o estilista. (QUEIROZ, 2014, p.79)

De acordo com o site do MEC (BRASIL, 2019), o Brasil conta com 157 cursos tecnológicos voltados à moda, 86 cursos de bacharelado, também o mestrado acadêmico em Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo (USP) e o mestrado profissional em Design de Vestuário e Moda, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Em dados divulgados pela Associação Brasileira da Industria Têxtil e de Confecção (ABIT, 2018), o Brasil possui o quarto maior parque de confecção e o quinto maior parque industrial têxtil. Ainda segundo o e-mec (BRASIL, 2019), o estado de Santa Catarina possui 33 cursos em atividade voltados à moda, somando-se bacharelados e tecnológicos.

Foram pesquisados nos sites das instituições de ensino os componentes curriculares dos 33 cursos, dos quais apenas 22 foram encontrados. Destes somam um total de 11 disciplinas relacionadas à sustentabilidade, distribuídas em 11 cursos sendo que 5 pertencem a uma mesmo grupo educacional. Comparando a um estudo realizado através da mesma metodologia em 2017, houve um crescimento de 5 cursos no estado. Além disso, só haviam sido encontradas 4 disciplinas voltadas à sustentabilidade (SCHULTE, et al., 2018, p. 48). Para Fletcher e Grose (2011) os designers de moda passam do trabalho na cadeia de fornecimento para o trabalho no “centro” de mudança. O novo papel do Designer é como facilitador, desenvolvendo estratégias para transformar a indústria e o negócio da moda.

Em muitos contextos, esse papel é mais complexo que as atividades de design tradicionais e requer negociação intensa e manobras perante os interesses dos investidores, além de ações práticas. É, também, imprevisível, e produz resultados que podem não se adequar às normas de design tradicionais. Pois o papel de facilitador tende a enfatizar o processo, em detrimento do resultado, e redesenha as fronteiras do ego dos designers, por entender o “sucesso” como consequência de esforço coletivo, não de talento isolado (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 162). Logo, se o designer está localizado no centro da mudança, essa se inicia na formação dele. Sendo assim, nota-se a importância do ensino da sustentabilidade na graduação, e evidencia-se o papel político do professor para que se formem designers conscientes de seu papel frente à sociedade e à transformação da cadeia produtiva.

Considerações finais

A imperatividade do novo nas sociedades modernas e a crescente aceleração da produção gera consequências catastróficas, tanto para a sociedade, quanto para o meio-ambiente. Em Santa Catarina, apesar da forte influência nacional no âmbito produtivo têxtil e de confecção, no quesito educacional nota-se a baixa preocupação com a sustentabilidade, evidenciada pelo pequeno número de disciplinas voltadas a esta nos cursos de graduação. Um terço dos cursos credenciados apresentam uma única disciplina relacionada à sustentabilidade.

Tendo o designer enquanto agente facilitador da transformação, ressalta-se a importância da formação deste por um viés crítico e socialmente compromissado, para que possa atuar não somente na transformação dos produtos, mas principalmente na mudança da própria estrutura do sistema. Assim é dado, também, o papel político do professor enquanto facilitador dessa formação. Nesta comunicação, nota-se a importância da inserção da sustentabilidade na formação do profissional da indústria do vestuário. E fica o convite àqueles que desejarem realizar mapeamento semelhante em outros estados no território nacional.

Neste campo de poder que compreende a transformação da sociedade, tão importante quanto pensar em novos modos de consumo e de produção, é pensar em novos modos de ensinar àqueles que vão produzir – tanto o produto, quanto o conhecimento acerca deste.

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