Jalunalé: identidade amazônica em moda sustentável

By Fashion Revolution

4 years ago

Este trabalho é de autoria de Natália Carvalho Viana de Sousa e Lucilene de Carvalho Sousa, do
Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará / Ateliê Jalunalé, e faz parte do Fórum Fashion Revolution 2019. As inscrições para o Fórum Fashion Revolution #Digital  estão abertas até 6 de julho: não perca. 

Breve histórico sobre desenvolvimento sustentável

Está pesquisa buscou identificar e descrever, por meio de um estudo de caso em uma marca e ateliê de moda, aspectos que pontuem e caracterizem uma proposta de produção sustentável, e que valorize aspectos sociais e culturais da Amazônia. A experiência também tem por objetivo apresentar alternativas à construção de uma moda marcada com o compromisso social e ambiental, bem como repensar os impactos deste setor.

Diante da crescente preocupação mundial relacionada a crises ambientais, consequências de sistemas econômicos e de consumo de base capitalista, governantes e organizações (privadas e públicas), começam a repensar atitudes e práticas voltadas ao mercado, bens de consumo e meio ambiente. Contudo, essas práticas não se restringem ao âmbito econômico, mas possuem impacto direto em construções sociais e culturais. Neste aspecto, entende-se que, valores socioculturais e econômicos são indissociáveis em uma sociedade, e impactam diretamente um ao outro.

Essa ligação e seus impactos nos auxiliam na compreensão de práticas e modelos econômicos que favoreçam o desenvolvimento social e preservem o meio ambiente, como é o caso do desenvolvimento sustentável. Fruto de uma inquietação com os meios de produção, e resultado da conscientização global ocorrida no século XX, o desenvolvimento sustentável surge contrapondo e questionando a revolução industrial, e o modelo de desenvolvimento convencional (VAN BELLEN, 2004). Em abril de 1987, a Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou simplesmente, Comissão Brundtland, estabelecida pela ONU a partir de 1983, traz o conceito de desenvolvimento sustentável a público, com a publicação do relatório “Nosso Futuro Comum”, que define desenvolvimento sustentável como “[…] aquele que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade de gerações futuras se desenvolverem, suprindo apenas suas necessidades” (WCED, 1987, p. 43;
Nações Unidas Org., 2019).

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a moda

Frente a este conceito, temos então, um novo modelo para nortear atitudes e práticas nas mais diferentes esferas sociais. Pensando nisso, a ONU, desde os anos 2000, estabelece parâmetros para nortear práticas sustentáveis em pequena, média e longa escala. Em 2015, com o advento da Agenda de Desenvolvimento global “Transformando Nosso Mundo”, surgem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Composto por 17 objetivos e 169 metas a serem alcançadas até 2030, os ODS’s são os seguintes: Erradicação da pobreza; Fome zero e agricultura sustentável; Saúde e bem-estar; Educação de qualidade; Igualdade de gênero; Água potável e saneamento; Energia limpa e acessível; Trabalho decente e crescimento econômico; Indústria, inovação e infraestrutura; Redução de desigualdades; Cidades e comunidades sustentáveis; Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança global do clima; Vida na água; Vida terrestre; Paz, justiça e instituições eficazes; Parcerias e meios de implementação (Nações Unidas Org., 2019).

As ODS’s podem ser aplicadas em diferentes setores, do individual ao coletivo. A exemplo, temos a moda sustentável,  que valoriza e repensa aspectos sociais, culturais e econômicos em sua produção e no modo de vida de seus consumidores. Pensar a moda enquanto prática sustentável representa um caminho reverso ao que este setor ocupa há décadas, representando não apenas uma alternativa ao meio ambiente, mas um compromisso de reestruturação em suas bases. Sabe-se que a indústria da moda está no topo das indústrias mais poluentes, sendo responsável por 8% a 10% das emissões de gases-estufa, liberando 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos, todo os anos (VALOR, 2019). De acordo com a ONU Meio Ambiente, a indústria da moda está avaliada em cerca de US$2,4 trilhões, empregando 75 milhões de pessoas em todo mundo. Os números também apresentam a realidade do descarte de roupas, de acordo com pesquisas, cerca de US$ 500 bilhões ao ano, em roupas, vão diretamente para lixões e aterros.

Na moda, Manzini e Vezzoli (2011) referem-se à sustentabilidade como responsável por permitir o desenvolvimento consciente sem agredir o meio ambiente, e que as atividades humanas, tanto em nível regional quanto mundial, não devem interferir neste desenvolvimento, priorizando que o capital natural não se desgaste, mas siga o percurso natural do ciclo da vida. Frente a todas essas informações alguns questionamentos surgem, relacionados a produção de moda no Brasil, e mais especificamente na Amazônia. Autores como Egg (1996), afirmam que o modelo de desenvolvimento sustentável é o mais indicado para Amazônia, por possuir o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos habitantes da região, e repensar o gerenciamento racional do ecossistema, incluindo seu patrimônio sociocultural (SUNKEL, 1986). Logo, a moda na Amazônia também precisa ser pensada de forma sustentável, valorizando aspectos tradicionais da cultura local, territoriais e materiais para então sustentar uma identidade sólida reconhecida como moda amazônica, valorizando seu potencial enquanto comunidade criativa, e mostrando de que forma o design interfere em processos produtivos e valores agregados de produtos locais (KRUCKEN, 2009).

Jalunalé: identidade amazônica em moda sustentável

Neste sentido, a pesquisa em questão, utilizando o método de estudo de caso, objetivou identificar aspectos sustentáveis em uma marca autoral na cidade de Belém do Pará. A marca, por nome Jalunalé, atua no mercado de moda da região desde 2010, na criação e confecção de peças do vestuário, principalmente bolsas, que possuem valor sustentável. O estudo buscou aspectos que pudessem classificar a marca enquanto sustentável em sua produção, em seus aspectos sociais e em seu produto final. Para isso, foram realizadas entrevistas e observação com a responsável pela marca, clientes e alunas de projetos sociais em que a marca é parceira.

Os objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS’s) serviram enquanto norteadores para identificar atitudes sustentáveis da Jalunalé. Neste aspecto, podemos constatar que, mesmo se tratando de uma iniciativa local, e um projeto relativamente pequeno, a marca satisfaz em alguns níveis e fomenta, objetivos relacionados à saúde e bem-estar (ODS3), igualdade de gênero (ODS5), trabalho decente e crescimento econômico (ODS8), Consumo e produção responsáveis (ODS 12), parcerias e meios de implementação (ODS 17). Também foram identificados aspectos sustentáveis em três níveis: no processo de produção, no impacto social e no produto final e seu processo de comercialização.

Partindo das informações necessárias para que se crie moda com conceito de sustentabilidade, construindo e desconstruindo uma peça do vestuário ou de acessório em uma abordagem sustentável, Gwilt (2014) afirma que, um design precisa conhecer muito bem o ciclo de vida de um produto de moda. Este conhecimento cria possibilidade de se envolver com as questões sustentáveis. A recriação é uma das ferramentas utilizadas pela marca para produzir suas peças, com o conceito de Upcycling.

Upcycling é um dos conceitos da sustentabilidade que agrega valores a um produto ou material que no final de sua vida útil seriam descartados, permitindo assim o aproveitamento e prolongando sua utilização. Essa técnica é usada para produzir uma peça nova, remanufaturar ou reformar uma peça do vestuário já existente. No caso das bolsas dar marca Jalunalé, as matérias-primas principais são: tecido da sombrinha, estofado de banco de carro, calças jeans, lona e banner. Todos esses materiais são doados ou encontrados em brechós da cidade.

Considerações finais: moda enquanto responsabilidade social e economia colaborativa 

Com relação aos impactos sociais, a marca Jalunalé atua em questões voltadas a instrumentalização de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Em alguns projetos que a marca é parceira, são oferecidas oficinas de corte e costura como ofício para comunidade em geral, contudo, a maior parte dos participantes são mulheres. O ensino à essas mulheres repercutem nas seguintes áreas: autonomia financeira, autoestima, dependência afetiva e situações de ansiedade e depressão. Em que muitas mulheres encontram na moda uma alternativa de emancipação e rede de apoio no grupo contra violência ou outras questões (DELITTI e DERDCKY, 2008).

Por fim, boa parte da comercialização da marca ocorre em rede, em feiras de economia criativa e colaborativa, que fomentam empreendedorismo de marcas autorais na cidade de Belém. O movimento de feiras e festivais de moda, proporciona a movimentação na economia local, e a criação e valorização de uma identidade de moda sólida na região, considerando a rede de produtores criativos e inovadores, e a identificação e proximidade com o público consumidor. Essa proximidade pode ser considerada como um dos aspectos fundamentais para criação de uma cultura sustentável.

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