Biodiversidade e conhecimento tradicional amazônico: contextualizando a fibra de palmeira do tucum

By Fashion Revolution

4 years ago

Este trabalho é de autoria de Lais Pennas e Julia Baruque-Ramos, da Universidade de São Paulo (USP) e faz parte do Fórum Fashion Revolution 2018. As inscrições para o Fórum Fashion Revolution 2020 estão abertas até 6 de julho: não perca. 

Biodiversidade e conhecimento tradicional amazônico: contextualizando a fibra de palmeira do tucum

Inovações relacionadas à sustentabilidade dos têxteis normalmente tem como foco reduzir os níveis de recursos utilizados, como por exemplo água, energia e químicos. Como a matéria prima é o elemento base da indústria da moda, inovações relacionadas à este campo são as mais comuns de serem encontradas, visando a sustentabilidade. (FLETCHER; GROSE 2012)

Na comunidade Vila Ecológica Céu do Juruá (localizada no município de Ipixuna, sudoeste do Amazonas, próximo à fronteira com o Acre, Brasil), as fibras do Tucum são retiradas da palmeira Astrocaryum chambira Burret através de um conhecimento tradicional mantido de geração em geração, para a confecção artesanal de um fio conhecido regionalmente como “Linha do Tucum” (FERREIRA, 2005; ABREU; NUNES, 2012).

A dependência direta das comunidades tradicionais com o ambiente configura uma modalidade de relação sociedade-natureza (DIEGUES; ARRUDA 2001; TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009). É uma relação considerada de baixo impacto ambiental (CUNHA; ALMEIDA, 2000) e, portanto, que pode propiciar a conservação da diversidade biológica (SHEN ET AL. 2012; SILVA; FRAXE, 2013). Nesse sentido, frente à crise ambiental, o modo de vida e os saberes dessas populações têm sido arrolados como importantes instrumentos para a conservação ambiental (PEREIRA; DIEGUES, 2010).

Este estudo tem como objetivo abordar aspectos da biodiversidade e do conhecimento tradicional presentes no contexto do Tucum e a relação deste cenário com os valores da moda sustentável.

Pertencendo aos domínios da Floresta Pluvial Amazônica Ocidental, a região do Médio Juruá (onde encontrase a comunidade Vila Ecológica Céu do Juruá) é considerada uma das áreas de megadiversidade biológica, conforme relatório da Biodiversidade Brasileira, que a aponta como categoria de importância biológica extremamente alta (BROWN; FREITAS, 2002)

Além de toda essa riqueza de fauna, flora e material genético, ainda encontra-se todo o conhecimento tradicional acumulado por tribos indígenas, seringueiros e ribeirinhos, que promovem o intercâmbio de fazeres e saberes, compondo uma identidade cultural da região. (DIEGUES; ARRUDA, 2001)

Para os povos da comunidade Vila ecológica Céu do Juruá, a “linha” do Tucum que é fiada a partir de um conhecimento tradicional, é conhecida também como “Linha da Lealdade”, pois eles a consideram de grande utilidade e importância para a vida na floresta, já que por muitos anos viabilizou a confecção de objetos importantes do dia a dia deles como redes, tarrafas, linhas para o anzol, corda para amarrar canoa entre outros. (FROÉS; DOMINGUES et al, 2010)

O processo de fabricação da linha do Tucum, pode ser dividido em quatro etapas: a) coletar a folha; b) retirada da fibra; c) pentear a puxar o “linho”; d) fiar e urdir a linha. O tingimento natural trata-se de uma etapa a parte que utiliza muitas espécies da região para dar cor à linha do Tucum. (FROÉS; DOMINGUES et al, 2010)

Moda sustentável como ferramenta de valorização 

A maioria dos designers que já pensam em sustentabilidade, ainda dedicam pouca atenção à atividades que poderiam favorecer à manutenção da biodiversidade e aos serviços a ela agregados, trabalhando com materiais muitas vezes sem sequer questionarem sua origem, quem os extrai e como é feita a extração. Pensar em ciclo de vida do produto, sem compreender as conexões socioambientais pode ser considerada uma abordagem rasa do ponto de vista sustentável. (SARMENTO, 2014)

O conceito de valorização da sociobiodiversidade busca integrar a conservação da natureza com o enfoque cultural, englobando produtos, saberes, hábitos e tradições próprias de determinado lugar ou território. (MDA, 2012 in SARMENTO, 2014)

A valorização dos conhecimentos tradicionais pode ser entendida como uma forma de conservação da biodiversidade local, ou seja, a diversidade biológica das áreas nas quais estas populações estão presentes depende da continuidade do manejo tradicional dos recursos. (PEREIRA; DIEGUES, 2010). O valor social associado às artes tradicionais têxteis de fiação artesanal, tecelagem manual, tingimento natural, entre outras, aliados ao ressurgimento desses interesses, fazem dos valores da moda sustentável, uma realidade com impactos sociais econômicos e culturais. (TREJO, 2014)

Conclui-se portanto, que a fibra do Tucum pode ser considerada uma matéria prima interessante sob o ponto de vista da moda sustentável, levando em conta os aspectos ambientais, sociais e culturais presentes em seu contexto, tão relevantes e valorizados por este mercado. Além disto, a possível utilização da fibra do Tucum pode vir a ser uma ferramenta de valorização do saber tradicional e, conforme visto na literatura estudada, a valorização é um meio de contribuir para a conservação tanto do conhecimento, quanto da biodiversidade local, corroborando a importância do estudo da fibra em questão.

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Imagem: Insituto SocioAmbiental.