Moda acessível: o caminho para a valorização do corpo individual

By Fashion Revolution Brazil

3 years ago

por Prêmio Biscoito e colaboradores*

Falar sobre inclusão é falar sobre acessibilidade. O fato é que existem diversas formas de acessibilidade que buscam promover uma sociedade mais equitativa. A mais comentada sempre foi a arquitetônica – que promove a extinção de barreiras físicas -, porém esse assunto se prolonga para além disso. Ele permeia o fator do espaço. Este pode configurar-se como físico, mercadológico, midiático e ideológico, além de se fazer presente nos mais diversos nichos, passando desde alimentação, por lazer, direitos humanos até moda. Tendo este último ganhado bastante repercussão nos últimos tempos por conta de três importantes pautas: capacitismo, genderless e representatividade.

A primeira delas é sobre nossas atitudes, comunicação e a forma como incluímos as pessoas com algum tipo de deficiência e corpos fora do padrão. Uma vez que o termo capacitismo refere-se a todo preconceito contra a pessoa com deficiência; ele não acontece só em forma de violência explícita, mas também através da exclusão: do seu espaço não ser acessível, do seu produto não ser acessível, quando não há representação na mídia, quando não há roupas pensadas para estes corpos ou representatividade em vitrines e catálogos de moda. Quando PcDs ou pessoas gordas buscam por vestuário, se deparam com uma realidade frustrante e diferente de quem está inserido no padrão estético criado e alimentado pela sociedade.

Há muita dificuldade de encontrar peças que se encaixem nesses corpos, que sejam pensadas para esses corpos. Algumas marcas valorizam e dão protagonismo a esses recortes e essas características, mas ainda assim existe desigualdade quando se fala em preços e gênero.

A mídia é definitivamente mais centrada em corpos femininos, fruto da objetificação e padronização de estereótipos, que dificultam a representatividade de pessoas que não se encaixam no padrão.

Isso reflete em exclusão desde o início da produção de vestuários, produzindo peças sem democratização de tamanho e modelo, baseando-se em apenas um grupo de pessoas. A moda sem gênero – ou genderless – está ganhando cada vez mais espaço, e propõe uma solução viável para a valorização da individualidade de todas as pessoas.

Esse conceito traz a ideia de pessoas reais sendo vestidas, sem a idealização de um “corpo esperado” entre homem ou mulher. Diferente da proposta de roupas com lógica binária, a moda sem gênero tem o propósito de ser realmente um instrumento de expressão social, considerando a existência de quem a usa, bem como a ideia de pessoas diferentes numa mesma sociedade.

A modelagem é importante para a adaptação de corpos diferentes, com atenção aos ombros, cintura e comprimento, sem definir proporções por gênero. Marcas já aderiram a tendência, assim como personalidades influentes, vestindo peças de estilistas que também abraçaram o conceito genderless, e isso de certo modo é bem importante.

Por outro lado, devemos refletir em como as roupas sem gênero se posicionam no mercado, e se de fato estão sendo desenvolvidas com o propósito inicial. Quais são as modelos das marcas de roupas sem gênero? E o quanto isso é representativo para quem está em recortes de minorias?

Não é de hoje que o LGBTQIA+ usa seu corpo como representante de luta e compreende a representatividade do corpo nos espaços de militância. Esse âmbito tem sido explorado por artistas e tido como uma pauta nociva e normalizada onde a desconstrução do corpo ideal — tanto em relação à peso quanto a deficiência — tem sido imposta cada vez mais em obras audiovisuais e entre criadores de conteúdo. E mesmo sendo visível a marginalização de determinados corpos em suas representatividades e o entendimento que o corpo é um espaço particular, devemos entender que ele se relaciona com o movimento e utiliza de sua evolução para desconstruir uma idealização social.

Existem diversos motivos para justificar o porquê de a representatividade ser tão importante para grupos minoritários. Ter uma pessoa fora dos padrões estéticos que tanto foram impostos à sociedade servindo de modelo, desfilando em passarelas – espaços que sempre foram restritos a pessoas com o chamado “corpo ideal” -, é o início de uma mudança muito importante – afinal, a moda não é para todas as pessoas? Por que teríamos de nos adequar?

A internet e as redes sociais foram cruciais para a democratização desta ideia. De uma comunicação comandada somente por grandes veículos nas décadas passadas, com o advento das redes e a possibilidade de as pessoas criarem seu próprio conteúdo, tivemos mais acesso a diferentes corpos, sexualidades e gêneros.

Acompanhando o pop LGBTQIA+ brasileiro percebemos como tem sido mobilizada a estética que une diversidade e inclusão. Através de videoclipes, os corpos de

personagens e bailarinos são apropriados para comunicar ideias que transcendem os escopos de gêneros binários e do corpo magro e branco como padrão.

Felizmente, hoje vemos diversas empresas de todos os setores do mercado buscando por diversidade e inclusão. A moda, enquanto retrato do nosso tempo, tem o dever de seguir este caminho, de respeitar as diferenças de corpos, aceitar a diversidade da nossa sociedade e deixar para trás essas ideias ultrapassadas de gêneros e do “corpo ideal”.

*Arte: Lorena Bim (@lorenabim_).

Sobre os autores:

Este texto foi escrito de forma colaborativa entre os autores das páginas:

Prêmio Biscoito:  O festival, idealizado pelo casal Gustavo e Walnei, busca uma forma de trazer reconhecimento e prestígio para a comunidade LGBTQIA+, trazendo entretenimento como uma ferramenta de conscientização, representatividade e oportunidade para todes.

Senta e Escuta: “Senta e Escuta” é uma página do Instagram com conteúdos informativos voltados ao público LGBTI+, surgiu em 2019 e desde então tem como objetivo amplificar as vozes da comunidades e tornar o conhecimento mais acessível.

Vale PCD: O Vale PCD é um coletivo com foco em visibilidade, acessibilidade e inclusão para pessoas com deficiência que fazem parte da comunidade LGBTQIA+. Trabalhamos com mapeamento de espaços acessíveis, banco de talentos para diversidade e muita informação.

TODXS: É a primeira startup social brasileira sem fins lucrativos que promove a inclusão LGBT+ através da inclusão de big data, seu processamento e tradução em iniciativas de Tecnologia.