Índice de Transparência da Moda Brasil 2023 apresenta avanços, porém expõe pouco comprometimento das marcas no combate à crise climática

By Fashion Revolution Brazil

1 year ago

A 6ª edição do relatório aponta progresso lento entre as 60 maiores marcas de moda do Brasil sobre temas urgentes como desmatamento, descarbonização e diversidade.

O ano de 2023 está sendo marcado por desafios socioambientais que têm afetado profundamente o Brasil, como o aumento dos desastres climáticos extremos e o avanço do desmatamento no Cerrado, o principal bioma produtor de algodão do país. Nesse cenário, a indústria da moda brasileira se destaca como a cadeia têxtil mais completa do Ocidente, além de empregar uma parcela significativa da força de trabalho brasileira. Dada a considerável influência dessa indústria em nossa cultura e economia e em meio à emergência climática, torna-se fundamental que grandes marcas do setor sejam transparentes sobre suas ações e impactos socioambientais em sua cadeia de produção.


O Instituto Fashion Revolution Brasil mantém seu compromisso de trabalhar para promover transformações significativas no atual sistema da moda. Nesse sentido, o Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) é parte fundamental dessa estratégia para a mudança, uma vez que, por meio dos dados revelados pelo Índice, é possível compreender como as grandes marcas de moda podem estar contribuindo para acentuar ou mitigar seus problemas socioambientais.


Este ano, 60 das principais marcas e varejistas do mercado brasileiro foram analisadas e  classificadas a partir de dados divulgados publicamente sobre suas políticas, práticas e impactos. A fim de abranger diferentes tópicos referentes à atuação das marcas, o ITMB conta com mais de 250 indicadores diferentes, em temas como direitos humanos e da natureza, igualdade de gênero e racial e descarbonização. Esses indicadores, por sua vez, estão distribuídos em 5 grandes seções: políticas e compromissos; governança; rastreabilidade; conhecer, comunicar e resolver e tópicos em destaque.


“Para além da prestação de contas para a sociedade, os dados obtidos por meio do Índice de Transparência têm o potencial de atuar como um catalisador para promover soluções em direção à sustentabilidade e à moda justa e circular, desencadeando uma transformação sistêmica no setor da moda”, afirma Isabella Luglio, Coordenadora Educacional do Instituto e do Índice no Brasil. Essa iniciativa é, portanto, uma maneira de responsabilizar e também de inspirar ações concretas em direção a uma moda social e ecologicamente responsável por parte da indústria. 

 

Apesar de ser a maior média geral já alcançada (22%), o progresso das marcas continua lento

O Índice de Transparência da Moda Brasil 2023 mostra avanços importantes de algumas das marcas, mas a grande maioria ainda é pouco transparente sobre seus impactos socioambientais. Pela primeira vez desde a primeira edição da pesquisa em 2018, seis marcas pontuaram acima de 60%, com C&A com 70%, seguida por Malwee com 68%, Dafiti com 67%, Renner e Youcom, ambas com 65%, e Havaianas com 62%. Além disso, este ano tivemos a maior média geral já alcançada ao longo desses anos: 22% do total de pontos disponíveis. Isso também se reflete na pontuação média em cada uma das cinco seções do questionário, que também foram recordes.


No entanto, apesar desse avanço, quase metade das marcas avaliadas (48%) ainda carece de transparência, obtendo menos de 10% do total de pontos. Dessas marcas, 16 zeraram a pontuação: Besni, Brooksfield, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Colcci, Di Santinni, Dumond, Fórum, Havan, Leader, Lojas Avenida, Lojas Pompéia, Marisol, Moleca, Sawary e TNG. Vale ressaltar que grande parte das marcas zeradas permanece estagnada nessa posição desde que foram incluídas no Índice, o que acaba resultando em uma queda da média geral, afetando o progresso de todas as marcas.

A transparência é uma ferramenta que possibilita aos diversos atores interessados – como investidores, legisladores, ONGs e sindicatos – exigirem responsabilidade na produção das nossas roupas. Esses dados, por sua vez, podem ser amplamente examinados e comparados, a fim de compreender em que medida as marcas estão trabalhando para garantir os direitos humanos e a proteção ao meio ambiente.

Contínua baixa transparência em questões de gênero e raça nos fornecedores levanta preocupações sobre a inclusão de grupos minorizados nas discussões de diversidade no setor

O mercado de moda brasileira apresenta baixo nível de presença, pertencimento e emancipação financeira nos espaços de atuação de profissionais racializados e de grupos minorizados. O Índice de 2023 revela que, por mais um ano, as marcas apresentam um progresso insuficiente na transparência sobre igualdade racial e de gênero, sobretudo quando buscamos informações relacionadas aos trabalhadores na cadeia de fornecimento. Apenas 12% divulgam a distribuição por raça dos trabalhadores das instalações de fornecedores de corte/costura/acabamento e 97% não publicam suas ações com foco na promoção da igualdade racial e étnica nas instalações de fornecimento.

Além disso, apesar de as mulheres representarem a maior parte da força de trabalho na indústria da moda, a transparência em relação à equidade de gênero nas operações de fornecimento permanece estagnada desde 2021. Menos de um terço das marcas (30%) divulgam a distribuição por gênero dos trabalhadores nas instalações de fornecedores diretos e somente 3% publicam suas ações com foco na promoção da igualdade racial e étnica nas instalações dos fornecedores, o que nos faz ter dificuldade em compreender, por exemplo, as hierarquias de gênero dentro dessas instalações. A ausência de transparência suscita preocupações quanto à inclusão e ao tratamento inadequado de pessoas e mulheres não-brancas e de grupos minoritários na cadeia de produção. 

Em meio a desastres ambientais, marcas praticamente zeraram em transparência sobre suas metas de descarbonização e ações para combater a crise climática

Em um ano que eventos climáticos extremos no Brasil alcançaram números históricos, comunicar sobre os reais impactos socioambientais da produção das nossas roupas é essencial. Embora haja um aumento na quantidade de marcas que divulgam sua pegada de carbono (45% das empresas divulgam as emissões de suas próprias instalações e 40% as emissões referentes a sua cadeia produtiva), os demais indicadores relacionados com a crise climática apresentaram pouco crescimento e se mantêm baixos: 98% das marcas não publicam metas científicas de descarbonização tanto de curto prazo quanto de longo prazo.

Fernanda Simon, Diretora do Instituto, enfatiza que “a transparência é o primeiro passo para que a moda possa efetivamente contribuir para a justiça climática”. Isso implica, portanto, que as marcas divulguem suas ações concretas de descarbonização e de enfrentamento à emergência climática e assegurem os direitos dos trabalhadores mais vulneráveis ao longo de toda a cadeia de produção. 

Mesmo com a crescente perda da biodiversidade brasileira, poucas marcas divulgam compromissos e ações para o desmatamento zero e práticas de agricultura regenerativa

Nossas roupas, originadas de recursos naturais, podem ter impactos negativos na biodiversidade brasileira, especialmente em biomas como a Amazônia e o Cerrado, que sofrem com o desmatamento para a produção de couro e algodão. Apesar de quase metade (43%) das marcas divulgarem políticas de biodiversidade e conservação para suas próprias operações, os números apontam que ainda há pouca transparência quando buscamos divulgações sobre a implementação de práticas de agricultura regenerativa (8%) e compromissos mensuráveis e com prazo determinado para o desmatamento zero (10%).

Embora tenha havido um avanço em relação ao ano anterior, quando nenhuma marca adotou compromissos antidesmatamento, a taxa atual ainda é insuficiente diante da rápida perda de biodiversidade. Essa falta de transparência levanta questionamentos sobre o verdadeiro nível de comprometimento da indústria sobre esse problema, deixando-nos sem informações concretas quanto aos reais impactos ambientais gerados por nossas roupas.

O ITMB foi elaborado pelo Fashion Revolution CIC e Instituto Fashion Revolution Brasil e contou com o apoio financeiro do Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, do Fundo Brasil de Direitos Humanos e parceiros financiadores.

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Texto escrito por Claudia Castanheira, Redatora Fashion Revolution Brasil.