Dia da Natureza – Especial Direitos da Natureza

By Fashion Revolution Brazil

3 years ago

Dia 04/10 é Dia da Natureza, uma data criada com o objetivo de promover consciência coletiva sobre a nossa relação com a natureza e seus recursos. Hoje vivemos uma sociedade que explora rios, mares e terras e pensar em Direitos da Natureza, é pensar sobre como responsabilidade e transparência podem nos ajudar a superar o cenário atual.

E como fazemos isso? Para responder essa pergunta convidamos advogados atuantes da área ambiental e os questionamos: Qual é o panorama dos Direitos da Natureza no Brasil e no Mundo?

1. Gabriel Mantelli professor de Direito na Universidade São Judas Tadeu e doutorando pela Universidade de São Paulo. Advogado de direitos humanos e socioambientais.

R: Infelizmente, não há um panorama próspero sobre os Direitos da Natureza, em nível político, no Brasil. Enfrentamos, atualmente, uma grande ameaça a tais direitos com o aumento de danos ao meio ambiente que são fruto de nítidas negligências do governo no combate às mudanças climáticas e na proteção sociambiental. Ainda que, no âmbito constitucional, temos demarcado um suposto “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225), ele não é assegurado nas ações por parte do governo. Aliás, a omissão representa de forma mais fiel a (falta de) postura estatal em olhar de forma holística para sua população e, em especial, à grupos vulneráveis – como os indígenas e negros – que mais sofrem com as mudanças climáticas, por exemplo.

Aqui no Brasil, ainda não temos expressamente Direitos da Natureza reconhecidos no âmbito jurídico. Os Direitos da Natureza já foram preliminarmente discutidos pelo Ministério Público Federal em uma ação judicial contra Belo Monte. A ideia foi tentar fixar um vetor de interpretação para o dispositivo constitucional citado anteriormente, argumentando que animais, florestas e rios têm direitos intrínsecos que não podem ser sobrepostos por iniciativas econômicas. A tentativa falhou.

No âmbito da sociedade civil, o cenário é diferente. Diversas organizações lutam diariamente contra as inobservâncias do Estado e do sucateamento de órgãos, leis e investimentos destinados à proteção do meio ambiente. Podemos citar, por exemplo, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas no Brasil) que vêm contribuindo para a resistência indígena contra o genocídio e à diminuição de seus direitos. Outro coletivo discutindo essa pauta no Brasil é a Articulação Nacional pelos Direitos da Natureza – Mãe Terra. O grupo, inclusive, possui um livro lançado no ano passado que intitula-se “Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral”.

Internacionalmente, os Direitos da Natureza seguem em emergência. Posso citar, por exemplo, o caso da Corte Superior da Colômbia que reconheceu os direitos do Rio Amazonas. O Equador, na mesma linha, incluiu em sua Constituição a proteção legal à “mãe terra”. Na Nova Zelândia, as tribos Nairobi conseguiram dar personalidade jurídica ao Rio Whanganui.

A justiça social, principalmente a partir dos movimentos de litigância socioambiental e do apoio da sociedade civil, se mostra bastante promissora para alcançarmos níveis mínimos de seguridade frente ao avanço de discursos e práticas extrativistas no Brasil.

2. O movimento Tá No Clima é formado por quatro Advogadas apaixonadas por justiça socioambiental e climática, explorando um novo futuro possível. 

R: No paradigma ecocêntrico, entende-se que humanos e outros seres vivos e não vivos todos compõem uma comunidade universal. Ele propõe uma ruptura com o olhar utilitarista do meio ambiente, e sugere que devemos viver em harmonia. Não nega os Direitos Humanos, que são fundamentais, inclusive o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado que nós temos no nosso artigo 225 da CF, que diz que TODOS possuem esses direito e que pode ser compreendido como um direito não só humano mas também da natureza, bem como os Direitos dos Povos Indígenas e Tradicionais, os quais inclusive são grandes precursores e defensores do pensamento ecocêntrico, e os demais direitos humanos. No entanto, amplia a compreensão do Direito, para que a Natureza em si também tenha seus direitos reconhecidos.

Em Pernambuco, nos Municípios de Bonito e Paudalho surgem as primeiras leis orgânicas a reconhecerem os Direitos da Natureza, em 2017 e 2018 respectivamente, a segunda tendo reconhecido os direitos de uma nascente, a fonte São Severino dos Ramos como patrimônio cultural e natural. Em seguida, na região Sul, Florianópolis reconheceu os Direitos da Natureza em sua lei orgânica em 2019.

Enquanto isso, no judiciário, o STJ reconheceu os direitos do papagaio Verdinho em 2019, citando precedentes internacionais de Direitos da Natureza, e entendendo que havia uma “dimensão ecológica do princípio da dignidade humana”, entendendo que a ave teria direito de permanecer com sua tutora. Florianópolis também tornou-se palco de caso judicial que tramita no momento sobre a Lagoa da Conceição, e que encaminha em ser um caso judicial pioneiro sobre Direitos da Natureza no país.

A ação civil pública foi proposta por organizações da Sociedade Civil e apoiada em pesquisa sobre Direitos da Natureza, em razão do rompimento de estrutura de saneamento na lagoa no início de 2021, e defendia os direitos da lagoa, como sujeito de direitos.  A decisão liminar e despacho de junho 2021, apesar de não serem decisões finais, reconhecem a omissão estatal em proteger a lagoa, a lei municipal que reconheceu os seus direitos e a necessidade de proteção sistêmica e não fragmentada, criando uma Câmara Judicial de Proteção da Lagoa da Conceição, com a finalidade de assessorar este Juízo na adoção de medidas estruturais pertinentes, subsidiando a tomada de decisões e monitoramento de implementação. Entretanto, essa última teve seu papel parcialmente suspenso pelo TRF-4 no mês passado, passando a ter apenas caráter consultivo.

Assim, na contramão de uma série de retrocessos socioambientais que enfrentamos, vemos o crescente reconhecimento e importância da região dos Direitos da Natureza no Brasil, no judiciário e no legislativo infranacional, mas ainda falta ver como isso se resultará na proteção efetiva de nossos biomas, biodiversidade e do nosso encaminhamento a uma sociedade que seja compatível e em equilíbrio com a Natureza.

Foto: Mika Baumeister / Unsplash