Sem os trabalhadores, a moda não existiria: conheça a importância do trabalho na vida de quem faz a moda acontecer!

By Fashion Revolution

4 years ago

Sem os trabalhadores, a moda não existiria. São milhares de pessoas ocupando plantações, petroquímicas, escritórios, fábricas e lojas, mas reconhecer essas vidas parece sempre tão distante. Precisamos resgatar nossa sensibilidade para compreender que existem vidas por trás do que vestimos, e também exigir protagonismo dos trabalhadores sobre seu trabalho.

Neste mês, celebramos os trabalhadores perguntando quem são e qual o significado desse trabalho em suas vidas. Veja algumas histórias:

Grace Santos, costureira

A Grace Santos é paulista e costureira com foco em moda para portadores de deficiência; trabalhou durante anos na área comercial, mas mudou há 3 anos e fundou a Angel’s Grace Moda Inclusiva. “Pensei: ‘quero fazer algo que me arrepios e vontade de levantar e trabalhar independentemente do que esteja acontecendo.’ Com a demissão da empresa, ela investiu com uma sócia em máquinas de costura e abriu o negócio; no início, fazia confecção de roupas em geral, mas já mirava em focar na moda inclusiva: “começamos a trabalhar com algumas marcas, no sistema de confecção, ralamos muito, mas tínhamos um objetivo maior.” 

Grace afirma: “hoje eu sou 100% realizada com o trabalho da inclusão, que realmente ver brilho no olho, ver satisfação, ver sorriso, eu falo que é inenarrável. Faço isso sorrindo mesmo; para mim trabalhar moda tá no meu sangue, na minha vida, não sei e não consigo fazer outras coisas.” Para ela, trabalhar com a inclusão é um sentimento realizador, que traz dignidade: “me sinto uma pessoa melhor conhecendo as histórias e pessoas, toda vez que entro num trabalho assim, saio uma pessoa melhor.”

Sua crença está firmada na realidade. Grace deixa o recado: precisamos “viver mais no real, a vida como ela é”, e relembra a importância de ter empatia na hora de projetar a moda: “eu sempre digo para as pessoas olharem para o lado. A mensagem que eu deixo para as pessoas da moda é: tenham contato com as pessoas, perguntem para as pessoas o que elas gostariam de usar, e como gostariam de usar. Às vezes ele desenha algo maravilhoso no papel, mas não pergunta para a costureira. Se não tiver uma pessoa para sentar na máquina, o sonho do estilista não vai sair, se ele não souber costurar. Então acho que falta mais essa união, de todas as pontas: desde quem cria até quem é consumidor. É o fato de conversar e olhar para o outro.”

Gabriel Monteiro, jornalista

Gabriel conta que durante sua formação escolar o jornalismo emergiu como uma opção de profissão, mas não tinha a pretensão de trabalhar com moda – mesmo sendo cativado pelo tema e ser filho de costureiros. Acabou por cursar jornalismo e artes visuais ao mesmo tempo, e até hoje diz que tenta “juntar essa perspectiva social com uma paixão, que é moda.”

Ele conta que estagiou em um grande jornal televisivo, onde aprendeu a ser mais curioso e exercitar sua escuta. Depois, trabalhou na revista de moda ELLE Brasil: “a ELLE foi minha grande escola de jornalismo de moda. Quando a revista foi descontinuada, eu segui também como freelancer escrevendo para outros veículos […] e hoje, volto a ser repórter de moda com o retorno da ELLE ao Brasil.” O lugar que o trabalho ocupa em sua vida é bem pessoal – como visto nos outros relatos: “acho importante uma ressalva a esta ideia. Principalmente, para que as pessoas não imaginem que o único motor para se trabalhar com moda é a paixão. O que não deve ser.”

Gabriel diz que procura “ver a moda como uma das ferramentas para entender o mundo” e afirma seu gosto por “ler e escrever sobre moda enquanto criação de identidade, registro do momento, comportamento”, onde o “objetivo sempre será as pessoas”.

E como Gabriel acha que o trabalho com jornalismo de moda deve ser? “Eu acho que o trabalho jornalístico tem sido tão atacado que, sinceramente, já seria um avanço se ele fosse respeitado, valorizado, financiado, para ser feito com dignidade. […] Adoraria isso mais presente nas redações de moda. E, evidentemente, temos uma realidade desigual no país que, apesar de criminosa é sustentada para ser assim. E isso se reflete na distribuição das pessoas nas profissões. E em um campo tão importante quanto o jornalismo, onde a construção de narrativas está em jogo, deveria ser um preceito básico a equidade de raça, gênero, classe nas tomadas de decisões.”

Carol Silvano, modelo e criadora de conteúdo

Carol Silvano, 27, é modelo, roteirista e criadora de conteúdo. Nascida e criada no interior de São Paulo, ela começou sua carreira com 15 anos e se mudou para capital com 19, em uma agência internacional. 

Ela conta que sua inspiração mais próxima para querer seguir a carreira de modelo foi da sua irmã Daiane, que ama ver ela modelando; atualmente, Naomi Campbell tem sido sua referência de posicionamento, cuidado e beleza. 

“Eu respiro e vivo das minhas profissões, tenho muito orgulho de quem me tornei. E tudo isso tem um significado e um peso de responsabilidade, representatividade.  

E, por fim, Carol deixa um recado para a moda: “seja menos seletiva, seja mais consciente, sem desperdícios, inclua negros com naturalidade e não por obrigação, mais amor, respeito.”

Paulo Carvas, designer 

Para o Paulo Carvas, designer de moda desde 2001, o trabalho com moda significa “decodificar sonhos e transformá-los em realidade”, e seu impulso para criar é “o rico universo de ideias para ser explorado […] desde a definição de um tema para uma coleção e a vasta pesquisa a ser feita tanto imagética quanto de matérias, desenvolvimento de modelagem e acabamentos.”

Paulo acredita que “o trabalho com a moda deveria ser focado no desenvolvimento das pessoas e não só no lucro das empresas, capacitando e treinando profissionais (nacionais) por meio do incentivo em desenvolvimento cultural e intelectual, resultando em mão de obra qualificada para desenvolver as atividades pertinentes e com remuneração justa para todos os setores da cadeia”, onde as mudanças deveriam seguir um caminho de ter “um propósito mais voltado para o desenvolvimento sustentável e tendo este cuidado desde o início de cada ciclo da cadeia, como o plantio e colheita do algodão, por exemplo.”

Matheus Solem, estudante de moda 

Matheus Solem é embaixador do #FashionRevolution na IFSULDEMINAS (MG), e graduando no curso de Tecnologia em Design de Moda. Ele conta que sua motivação para estudar foi a vontade de contar sua própria história: “comecei a desconstruir através da moda um lugar previamente destinado para o meu corpo, criando assim um local onde o meu verdadeiro eu, pudesse ser potência ao expressar a sua verdadeira identidade. Me apego a este lado empoderador da moda, mesmo tendo ciência que a mesma por outro lado é excludente, utilizo dela para ser a exceção em meio às regras estruturais a nós impostas.”

Para Matheus, ser um estudante de moda significa “ser responsável quanto questões que ainda permeiam a nossa sociedade”. Ele relembra que “temos várias pautas importantíssimas como as dos movimentos representativos e de luta de minorias”, e como sua visão de futuro é pautada na volta de “nosso olhar para as verdadeiras necessidades da sociedade para, a partir delas, inovar a forma de criar e fazer moda”. 

Como o futuro da trabalhador da moda, Matheus acredita que esse trabalho deve ser “realista e consciente”, e que “precisamos nos conectar com as pessoas para ouvir e fazer trocas sobre as necessidades, anseios e desejos, sendo elas quem forem, estando onde elas estiverem na cadeia têxtil da moda ou não. Temos que mudar a nossa forma de nos relacionarmos em todas as áreas para nos conectarmos, e a moda é uma delas.”

Rafael Silvério, estilista

Para Rafael Silvério, estilista residente em São Paulo capital, desenhar sempre foi a primeira relação com sua forma expressão. Na hora de escolher a graduação, optou por moda e se formou na Santa Marcelina, em 2013, mas afirma: “não tive muitas oportunidades no mercado pelo problema do racismo, por acharem que eu era capital criativo que podia ameaçar algumas estruturas.” Posteriormente, nasce sua marca Silvério, que hoje é além de marca, plataforma e uma forma de abordar diversos assuntos.

Para Rafael, o trabalho é sua forma de enxergar o mundo: “é como eu me expresso, como eu sinto as coisas, é uma boa parte de mim. Ela [sua marca] é o ânimo, a paixão que faz eu levantar da cama.” Neto de costureiras, ele conta que sempre teve uma relação muito afetiva com moda; “não consigo pegar um pedaço de tecido sem pensar no afeto das minhas avós.”

Na sua visão, o futuro do trabalho na moda deve ser com respeito e valorização. “Respeitar o trabalho de quem plantou a fibra, fez o fio, o tecido, o transportador, ou da loja… Vejo as pessoas que trabalham comigo como minha família. Acho que a gente tem que ser justo, pensar nas pessoas como se fossem um ente querido de nossa família. A partir do momento que fazemos um exercício de empatia pelo outro, conseguimos literalmente passar do discurso e ver isso na prática.”

Lara Oliveira, estudante de moda

Para Lara Oliveira, estudante do quinto semestre de design de moda na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), a vontade de cursar moda sempre esteve presente, desde a infância. Porém, antes de prestar o vestibular, seu contato com o documentário “The True Cost” colocou em prova sua decisão de ser uma futura profissional, por ter se deparado com as problemáticas da indústria. Depois de refletir, chegou a conclusão que poderia sim fazer a moda de um jeito diferente: “com isso eu conseguiria mudar, nem se fosse uma pequena parte da indústria da moda.”

A moda, na sua visão, representa liberdade de escolha e demonstra nosso comportamento. “E isso é o que faz eu ser uma futura profissional. O que me motiva também é poder ajudar as pessoas por meio da moda, seja a partir de fornecer trabalho justo, melhorar a autoestima das pessoas por meio do que elas vestem, ou a fazer as pessoas se conhecerem mais por meio das roupas que elas estão vestindo.”

O trabalho na moda, em sua visão, “deve ser justo, consciente, ético, responsável, sustentável e que pense em todo o processo que envolve sua cadeia produtiva, sempre buscando inovar e melhorar, para ser ainda mais uma força do bem”. 

Enquanto futura profissional, Lara quer continuar estudando e participando de coisas que acredita: “uma moda consciente, justa, ética, que se preocupa com as pessoas.” Para ela, trabalhar com moda deve ser uma ferramenta de comunicação, crítica e política. “Isso é o mais legal: por meio da moda, você pode expressar o que está sentindo, o que está acontecendo… por isso ela é muito importante.” 

Rejane Remais, comerciante 

Há 23 anos no mundo da moda, a Rejane começou cedo: “com 14 anos, aprendi a costurar. Logo arrumei um emprego, e ajudava no sustento da casa da minha mãe”. Aos 16 anos, ficou noiva, e junto com seu esposo que também é costureiro, resolveu abrir uma fábrica de confecção de bermudas. “Tudo era muito pouquinho, a gente comprava o tecido na época com o dinheiro que ganhavámos na semana costurando para os outros. Começamos a costurar os shorts para juntar dinheiro para construir nossa casa.”

Rejane conta como a moda e a confecção mudaram sua história: “hoje vendemos para todo o Brasil e conseguimos realizar sonhos com nosso trabalho honesto.”

 

Os trabalhadores e trabalhadoras fazem a moda acontecer. Precisamos garantir que suas vidas sejam celebradas, respeitadas e valorizadas. Junte-se ao Fashion Revolution e siga perguntando #QuemFezMinhasRoupas!

Se você é trabalhador ou trabalhadora da moda e quer compartilhar sua história, ficaremos felizes em conhecê-la: escreva para Bárbara Poerner.