Dia da Consciência Negra: Você está disposto(a) a ouvir as vozes negras?

By Fashion Revolution

3 years ago

As vozes que constroem uma nova moda são diversas, descentralizadas, potentes. As vozes que constroem uma nova moda são, também, vozes negras. 

No Dia da Consciência Negra, lembramos que a sustentabilidade é essencialmente antirracista. E que é impossível construir uma nova moda sem atentar e incluir, com solidez, as questões raciais. É necessário olhar para o passado da indústria da moda e ver como suas indústrias têxteis de algodão foram sustentadas com vidas de pessoas negras escravizadas – que até hoje não tiveram sua reparação. É necessário olhar para o hoje e ver como a moda ainda conserva suas heranças coloniais, sustenta e reproduz o racismo e o escancara de forma mais evidente quando exclui modelos negras ou produz coleções com apropriações culturais, mas também quando, sutilmente, deixa subalterna narrativas desenvolvidas por pessoas negras, ou quando olhamos para o quadro de funcionários mais bem pagos de uma marca e a maioria de sua composição é branca, mas olhamos para costureiras de sua produção com salários baixos, e a maioria é não-branca. 

Tudo é uma questão racial. Tudo precisa ser olhado com as lentes raciais até que o mundo e a moda seja outra e o racismo estrutural não determine mais as dinâmicas de vida. Vidas negras são potentes e não expoentes; vidas negras contam outras histórias para além do racismo e escravização – na moda e além. Você está disposto a ouví-las? 

Nathalia Mattos, Comitê Racial Fashion Revolution: Quando a gente fala sobre moda e racismo, a gente parte do princípio que a moda no Brasil foi construído a partir de um sistema totalmente eurocêntrico. Isso acaba excluindo os povos originários, pretos e indígenas, e permeia todos os espaços da moda, na formação e espaços acadêmicos, e no mercado de trabalho. De fato as pessoas negras fazem parte das indústria produtiva da moda, mas diante de um trabalho totalmente braçal, e não nos espaços pensando, criativos e de liderança. Acredito que podemos construir uma moda antirracista no momento em que a gente tiver politicas afirmativas, equidade racial e que tenhamos essas pessoas nesses espaços, porque assim a moda caminha para um novo olhar e novo sistema, onde pessoas pretas possam trazer uma nova visão e resgatar suas ancestralidades, e que de forma cultural e artística a gente possa transformar uma nova moda no Brasil.

Débora Idalgo, Comitê Racial Fashion Revolution: O que moda e raça tem a ver? Parece que é um espaço por valorizar, respeitar os elementos da cultura africana, as diferentes estéticas negras e perceber que hoje temos alguns pretos e pretas como modelos de beleza – e isso é ótimo – mas as coisas não se esgotam aí. Quantos designers, fotógrafos, editores você conhece que estão trabalhando nesse mercado? Estamos valorizando as costureiras, muitas vezes mulheres negras, que estão abaixo da pirâmide? Para que esse movimento não seja um modismo, em determinadas épocas do ano, nós precisamos estar atentos e atentas nos 365 dias, assim como fizeram nossos antepassados. Graças a eles e elas nós estamos hoje aqui.

Taya Nicaccio, Comitê Racial Fashion Revolution: Como estudante de moda e jovem ativista, percebo que podemos ser aliados na questao racial entendendo, questionando e agindo. Quando entendemos as questões raciais dentro da moda, podemos questionar suas informalidades e ações, reverberando uma mudança sistêmica por meio da educação e comunicação, de fato sendo aliados numa moda antirracista.

Mauro Almeida, Comitê Racial Fashion Revolution: Se você é branco, você tem que entender o seu privilégio, que apenas por nascer branco você é, sim, privilegiado. Você tem que apoiar a causa negra no mundo e no Brasil, lutar contra o racismo junto com essas pessoas e nunca uma conquista da causa negra deve ser contestada por pessoas brancas, e a história negra também não. Você deve aproveitar seu privilégio dando seu lugar de fala às outras pessoas, às pessoas que não tiveram seus lugares de fala há muito tempo. Temos que apoiar e lutar nessa causa, em qualquer movimento, seja dentro da moda ou não. Pare e olhe quantas pessoas negras trabalham ao seu redor, seja um funcionário ou dono da empresa. 

Isadora Dourado, Comitê Racial Fashion Revolution: Qual a potência do meu trabalho? Eu trabalho com brechó, e acho algo totalmente político. Quando a gente pensa em um projeto que rompe esse ciclo produtivo do sistema de moda, acho que falamos de algo muito revolucionário. Então é indispensável que esse meio político discuta raça, gênero, classe social e outros corpos. É indispensável que eu, como proprietária deste espaço, traga esse debate, de forma mais palpável, e apresente soluções pra isso. 

Ana Fernanda, Comitê Racial Fashion Revolution: Como podemos nos tornar aliados na causa racial na moda? Acho que podemos fazer isso desnaturalizando coisas como: por que, em geral, quem assina a coleção tem uma determinada cor, e quem está na linha de base costurando, tendo jornadas exaustivas e recebendo menos, tem outra cor? Por que consideramos alguns corpos e algumas características físicas mais bonitas e estas estão mais presentes em desfiles, e outras consideramos feias e inadequadas? Por que o dinheiro se concentra nas mão de determinados grupos raciais enquanto outros estão aleijados dessa abundância material? E principalmente, por que quando encontramos uma pessoa negra e de ascendência indigena que consegue virar esse jogo e conquistar essas coisas, a gente usa essa pessoa como exceção que só confirma a regra? Acho que se pensamos nessas coisas e paramos de achá-las normais, não estamos sendo radicais, mas estamos lutando principalmente por justiça.

Viviane Santiago, Comitê Racial Fashion Revolution: Pensar moda, racismo e imagem de profissionalismo. O que tem a ver? Tem tudo a ver! Acho que quando começamos a pensar como um profissional e uma mulher deve se vestir de maneira profissional; em alguns momentos esquecemos que o conceito de profissionalismo não é natural, mas socialmente construído. E como todas as coisas que são construídas na sociedade em processos culturais, ele é muito carregado de um teor racial, estabelece relações sociais. Quando a gente pensa em imagens de profissionalismo, quais as estéticas privilegiadas e aquelas que imediatamente são deixadas de lado como não-profissionais? O nome disso é racismo.

Matheus Solem: Pra mim, o racismo e a moda caminham juntos. Sendo assim, acredito que a moda deve ter um olhar mais aberto e mais diverso. Estamos em um tempo onde as pessoas buscam e conhecem seus direitos, querem ser representadas e querem seus acessos. Acredito que a moda deva ser uma aliada para que isso aconteça, deve abrir portas e dar bases para que haja um futuro mais diverso e igualitário. Acredito muito nesse futuro!

imagem: @amarantas18