Como atuar na luta antirracista sendo uma ONG?

By Fashion Revolution

4 years ago

Viviana Santiago conversa com o Fashion Revolution sobre práticas e possibilidades.

A moda está em tudo. Ela faz parte de engrenagens sociais e econômicas, integrando iniciativas privadas, órgãos públicos e terceiro setor com diferentes desdobramentos. O último é formado por entidades sem fins lucrativos, normalmente conhecidas como ONGs (Organizações Não Governamentais), que incidem na sociedade civil. Podem ser associações, cooperativas, fundações, instituições (como é o caso do Fashion Revolution Brasil), etc. 

Em 2016, conforme o IBGE, o número total de ONGs no Brasil era de 237 mil, sendo a maioria de vínculo religioso. Outras aquelas que atuam com direitos humanos, combate ao trabalho escravo e infantil e meio-ambiente, questões que atravessam a indústria da moda; as organizações específicas do setor normalmente trabalham com com pautas que envolvem sustentabilidade, inovação, fomento de negócios, etc.

O terceiro setor tem várias pautas sobre mudanças sociais, mas será que elas contemplam a luta antirracista?

“A questão racial é uma questão da moda” 

Viviana Santiago é pedagoga, especialista em gênero e raça e atualmente presta consultoria no Fashion Revolution para a promoção de igualdade racial na organização. Começou sua atuação em escolas e levou adiante sua perspectiva de direito das crianças e mulheres para órgãos públicos e posteriormente para o terceiro setor, onde trabalha há mais de uma década.

Quando começou o trabalho em organizações, também ingressa mais a fundo no movimento feminista e movimento negro; “todas essas discussões de direito da criança e adolescência vão ser muito capilarizadas por isso, pelas questões de gênero, raça, classe”, conta.

No setor da moda, Viviana destaca o trabalho das ONGs em torno do empoderamento feminino, trabalho de mulheres na rede produtiva da moda e combate ao trabalho infantil e análogo à escravidão. “Eu vejo uma atuação do terceiro setor muito forte, tanto no processo de monitoramento do trabalho infantil e escravidão dentro dessa cadeias, quanto nos processo de empoderamento de mulheres e do fortalecimento comunitário para que essas elas de fato deixem de ser essa mão de obra barata, e possam ter a oportunidade de negociar seus trabalhos”, explica a consultora. 

O ID_BR (Instituto Identidades do Brasil) é um exemplo de organização que atua sob pautas raciais que atravessam a moda. O “Selo Sim à Igualdade Racial” é uma ferramenta do instituto que auxilia empresas a mapear seu nível de engajamento com práticas antirracistas e implantar políticas efetivas. Dividido em três níveis (compromisso, engajamento e influência), algumas grandes varejistas de moda tem o selo apenas no primeiro nível.

A questão racial muitas vezes é subjugada, mas Viviana relembra como não podemos falar de revolução sem falar de raça: “não pode ser uma questão opcional, de dizer ‘olha eu gosto desse tema, então eu vou fazer”; se você não enfrenta as desigualdades, você as reproduz e fortalece.” 

A carência de uma agenda antirracista tem a ver com o racismo estrutural. Silvio Almeida, filósofo e doutor em Direito, aponta como o racismo não é necessariamente criado pelas instituições, mas sim reproduzido por elas. “As instituições são racistas porque a sociedade é racista”, escreve em sua obra “Racismo Estrutural”.

Como ser de fato antirracista?

Um dos primeiros passos é entender que raça perpassa todos os âmbitos, ou seja, em todo lugar cabe falar sobre isso e entender que a branquitude precisa se racializar. 

Viviana destaca como tarefa importante “ter uma agenda intencional de enfrentamento ao racismo, que passa pela maneira como a gente conforma as equipes, os escritórios, pela maneira como as pessoas tem ou não a possibilidade de avançar nas suas carreiras, pela maneira como existe uma política de remuneração”. Além disso, ela destaca que “não é suficiente ter pessoas negras ou ter uma pessoa negra para chamar de sua tirando do bolso pra mostrar que não é antirracista; é muito necessário que tenhamos políticas sólidas de como essa pessoa navega.”

Entender que pessoas negras e indígenas têm narrativas próprias e peculiares é crucial para não cair na armadilha da história única suscitada pelo racismo e dar solidez para essas agendas. Possibilitar espaços de escuta e abertura para as pessoas serem quem são, além de seus marcadores sociais e sem condicionar tudo à escravidão, é a base para avançar em relacionamentos, debates e criação de projetos.

Comunicar tudo isso é fundamental, aponta Viviana. Com destaque para o poder e alcance das mídias sociais no mundo contemporâneo, ela diz que precisamos usar a comunicação como aliada, “seja na produção, de disseminar boas práticas, denúncias de casos de racismo, trazer conhecimento dos temas raciais… tem um espaço muito grande que vai para além de falar do racismo.”

Estudar, ouvir, fazer e estar pronto para acolher, muito mais que reagir, faz parte de uma construção antirracista que contempla todas as pessoas de uma equipe, brancas ou não-brancas. 

Na hora de elaborar os projetos, a questão racial também está presente. É importante pensar sobre seus objetivos e Viviana lança a questão: “analisar em que medidas esses projetos contemplam a promoção da igualdade racial quando eles foram elaborados?”

Em geral, é preciso ter um “planejamento muito bem estruturado em torno de ações concretas de curto, médio e longo prazo”. Viviana lembra como, muitas vezes, “a gente perde nas entregas porque a gente sempre está na dimensão da visão, e a gente nunca fala como vai chegar.” 

Acompanhe o trabalho de Viviana Santiago em @vivi.ana.santiago e seu projeto Conversas da Meia-Noite, e também o andamento do Fashion Revolution no sentido da promoção da igualdade racial em nosso blog, mídias sociais e newsletter.