Amor como Revolução

By Fashion Revolution

4 years ago

por Rafael Silvério*

No disco de 1968, Lady Soul tem o sucesso Ain’t No Way” lançada como o terceiro single do álbum, escrita por Carolyn Franklin — irmã de Aretha — e produzida por Jerry Wexler. Logo nos primeiros versos ela canta : “Ain’t no way for me to love you / If you won’t let me / It ain’t no way for me to give you all you need / If you won’t let me give all of me” (Não tem como eu te amar / Se você não me deixar / Não tem jeito de te dar tudo o que você precisa / Se você não me deixar te dar tudo de mim, em tradução livre).

Amor é também sobre doação, mas não há como fazê-lo sem que o contemplado aceite de bom grado, pois nunca será sobre a imposição. Você pode me responder se escolheria o amor se ele mesmo assim continuasse machucando, essa dor seria mais tolerável do que a dor de viver na ignorância de não ter ciência do impacto das suas ações? Você escolheria ele todas as vezes que ele não o amasse de volta, e mesmo o amando você seria leal? Daria a outra face quando ele se impusesse e não lhe dissesse o que de fato você veio buscar?

Você escolheria a luz, mesmo ela expondo todos seus defeitos e fazendo você lidar com eles sem melindres? Colocaria as feridas sobre a mesa, ao lado do seu arsenal de críticas e ponderaria seus defeitos? Ou você atacaria o outro na ânsia de resolver as culpas que lhe cabem, e ausentar qualquer responsabilidade da situação inserida? 

Você seria capaz de amar com a capacidade de quebrar conchas e renunciar os amores ilícitos que vive? Seus sonhos ainda são capazes de lhe devolver esperança de termos mais justiça no mundo, ou você anda frustrado demais para sonhar?

Você doaria seu tempo por um ideal, colocaria dinheiro do seu bolso? Abdicaria de um item material em nome dele? Dedicaria seu tempo estudando e acreditando que algumas ações podem sim mudar uma normatividade? Você suportaria a pressão de aprender todos os detalhes que nem imaginam-se quando se pede ao universo a concretude do seu desejo?

E no meio das dúvidas originais antropológicas veio a pandemia, e desnudou nosso sistema capitalista, machista elitista e racista. Para muitos foi novidade.

Afinal sobre o que estamos falando? Você esperava um texto sobre um movimento que começou uma revolução na indústria. Estamos falando disso também, mas pelo viés interno, e o Fashion Revolution é sobre afeto. Isso não quer dizer que os amantes não cometem erros, pois cometemos o tempo todo, mas não podemos dizer que somos vítimas de um coração tolo. Após a queda do Rana Plaza, em Bangladesh, que matou mais de 1000 pessoas e feriu outras 2500,  movimentando Carry Somers e Orsola de Castro para a fundação do Fashion Revolution, em pouco tempo o movimento ganhou representações em mais de 100 países e se instalou no Brasil. Eu, como um crítico, também bati nas portas da instituição armado de pedras, pois a crítica superficial se alimenta apenas de sua indignação sem a construção de pontes. 

Ser chamado para integrar o Fashion Revolution me fez questionar em que lado eu queria estar, se faria casa nas minhas dores ou se de alguma forma com o fôlego restante eu poderia me dedicar criando pontes. Dr. Martin Luther King sempre falou em sua passagem terrena sobre a importância do diálogo, e que só através dele como única maneira possível. Sempre King muito romântico da zona cinza, que falava o que muitos queriam ouvir, mesmo com uma população negra ainda exposta à violência de várias natureza. Porém nos últimos tempos encontrei pessoas realmente dispostas a fazerem os diálogos e estarem abertas, expondo as próprias chagas nesse processo.

Amor não é fácil. Não é algo que sabemos exercer e requer compromisso, prioridade, tempo de estudo e devoção. Somente ele revolucionou, afetou e injetou de forma inovadora um despertar intelectual através do tempo, nos colocando a par de uma visão mais ampla, amor ágape e o fraternal constituem qualquer ato altruísta que doa, ao invés de manter-se em si, amor esse que liberta, que abre, que é translúcido como uma película fina de ovo de réptil, mas é resiliente, e não se desfaz a qualquer pancada, mas se desgasta a exposição de altas temperaturas. Às vezes procurar pela verdade absoluta desperta o maior mentiroso em nós mesmo, então quanto mais o tempo voa, fica nítido a sensação que o absolutismo e os extremismos não farão de nós aptos para ver a situação de forma plural. 

A Prima Heleninha (a moda) do capitalismo sempre foi vista como sofistiada e escapista, sempre saindo impune de sua responsabilidade social. Esse momento que atravessamos nos dá a oportunidade que sempre esteve ao nosso alcance de converter todo um protagonismo industrial para fazer trampolins de uma classe minorizada e substituir essa parcela que nunca representou o melhor deste país. Então erga a sua voz, escolha bem suas roupas, saiba como elas impactam, honre o ciclo e os processos que elas atravessam antes que ela seja sua companheira, cuidado com que come,  seja crítico onde você coloca o seu dinheiro, quais iniciativas vocês está financiando, quais conteúdos na internet você vem consumindo, VOTE com consciência, leia as propostas que o seu eleito pretende trabalhar por você nos próximos quatro anos. Conhece minimamente a quais conteúdos você está se expondo? Ou sabe a mensagem por trás de toda canção que coloca no replay em seu aplicativo de streaming de música, sabe como ele paga o seu artista favorito, ou como ele investe o seu dinheiro do pacote Premium? 

Quais são necessidades e o quais são supérfluos? Quais valores são seus, e quais foram colocados em sua mente, a ponto de que acredite que essas imposições são suas? Quem criou suas crenças, e quais delas são positivas, e quais minimizam seu potencial? 

Vivemos em uma sociedade de impostores, na qual vendem que a revolução que você espera não começa por você e sim nos diques de outras pessoas. A verdade é que a real forma de criar uma outra situação é por amor; lá que moram poços sem fundo e habilidade de desenvolvimento de pensamento autônomo no qual pode decidir o que é melhor. Este não quer dizer que é o que você acredita, mas este sentimento vai abrir para o mundo, sem romantização de esforço, ou que temos que nos levantar e nos erguer sempre que os chamados forem feitos.

Isso tudo também é moda para muito mais além das capas de revistas, e os desfiles megalomaníacos eurocentristas de marcas de luxo em que seus diretores criativos mal usam máscaras nos agradecimento.

Fica meu otimismo de que você veja amor nas suas escolhas, que faça pela sua intuição, que você escolha esse caminho todos os dias, por mais árduo que seja, que seus olhos consigam distinguir um impostor daquele que mente para que não se sinta mais exposto e vulnerável. Tudo deveria ser sobre pessoas, e não sobre números. Se em 1968 Aretha falava sobre amor como cerne de um nova forma de pensamento, por quê ainda em 2020 temos que pautar um assunto que deveria ser atravessado como meio comum? Já se perguntou o porquê? Quem ganha com a discórdia e a polarização das coisas?

*Rafael Silvério  @silveeerio: Designer Preto de Moda e Consultor de Branding. Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013) e Pós Graduação na UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior(2016) designer participante da Casa de Criadores (2019) com sua marca @silveriobrand, que propõe pela moda uma maneira de reconhecer seus sentimentos e questionando a nossa noção de belo, através de volumes inventivos e silhuetas lúdicas por um olhar romântico. Trabalha como consultor de branding para marcas e negócios relacionados a criatividade.
Imagem: Miss Everything (Unsuppressed Deliverance) (detail; 2013), Amy Sherald. Frances and Burton Reifler. © Amy Sherald