Água e consumo

By Fashion Revolution Brazil

3 years ago

por Glauco Kimura de Freitas*

~Em parceria com o Museu Planeta Água, nossa comemoração para hoje – Dia Mundial da Água – é uma reflexão sobre como o consumo e a crise hídrica estão ligados. 

Introdução

Em setembro de 2015, representantes dos 193 Estados-membros da ONU se reuniram em Nova York e adotaram o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, comprometendo-se a tomar medidas ousadas e transformadoras para promover o desenvolvimento sustentável nos próximos 15 anos sem deixar ninguém para trás. A Agenda 2030 materializa-se em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas que foram pensados para funcionarem de forma integrada e indivisível. Tal prerrogativa é fundamental no contexto da interdependência entre a humanidade e a natureza. Uma agenda coerente de soluções para tais desafios complexos está posta e, portanto, necessita ser implementada de forma premente. Porém, de forma geral e global, a Agenda 2030 está caminhando a passos lentos, com pouca ambição e baixo nível de compromisso dos países. Em relação ao progresso de cada um dos 17 ODS, uma análise realizada pela divisão de Estatística das Nações Unidas demonstrou que os ODS mais críticos até setembro de 2019 eram relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.

2. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 e o cenário global do consumo

O ODS 12 tem como objetivo o de “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. Para alcançar as metas deste ODS, a mudança nos padrões de consumo e produção se configuram como medidas indispensáveis na redução da pegada ecológica sobre o meio ambiente. Essas medidas são a base do desenvolvimento econômico e social sustentável. As metas do ODS 12 visam a promoção da eficiência do uso de recursos energéticos e naturais, da infraestrutura sustentável, do acesso a serviços básicos. Além disso, o objetivo prioriza a informação, a gestão coordenada, a transparência e a responsabilização dos atores consumidores de recursos naturais como ferramentas chave para o alcance de padrões mais sustentáveis de produção e consumo.

Os padrões de consumo e de produção mundiais, motores da economia global, utilizam os recursos naturais em um modelo que continua a gerar impactos destrutivos ao planeta. A pandemia de COVID-19 oferece aos países a oportunidade de construir um plano de recuperação que reverterá as tendências atuais e mudará os padrões de consumo e produção em direção a um futuro sustentável.  Mas ainda há muito a ser feito. Segundo a organização Global Footprint Network, atualmente excedemos a biocapacidade da Terra e nossos padrões de consumo requerem 1,6 planeta Terra para acomodá-los. Se a população global atingir 9,6 bilhões em 2050, poderá ser necessário o equivalente a quase três planetas para fornecer os recursos naturais necessários para sustentar os estilos de vida atuais. A pegada ecológica global de produção de matérias e insumos aumentou de 73,2 bilhões de toneladas métricas em 2010 para 85,9 bilhões em 2017, um aumento de 17,4% desde 2010 e um aumento de 66,5% a partir de 2000. A dependência mundial de recursos naturais aumentou nas últimas duas décadas. Os subsídios globais aos combustíveis fósseis aumentaram de US$ 318 bilhões em 2015 para US$ 427 bilhões em 2018. A continuidade de tais subsídios, que representam o dobro dos subsídios estimados para energias renováveis, contribuem diretamente à crise climática da atualidade. Os resíduos eletrônicos aumentaram em 38% no período entre 2010 e 2019 e, infelizmente, menos de 20% são apropriadamente reciclados.

3. Consumo e crises hídricas

Segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2021, cujo tema é o “Valor da Água”, cerca de 14% dos alimentos produzidos são perdidos desde a colheita, o transporte, o armazenamento, o processamento e até – mas não incluindo – o comércio no varejo. Isso representa 24% do total de água doce usada na produção de alimentos. Entretanto, ao invés de investirmos adequadamente no combate ao desperdício, passamos a planejar formas de captar e armazenar mais água para lidar com o aumento na demanda por alimentos e água. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), estima que em um cenário tendencial (condições socioeconômicas e ambientais permanecendo as mesmas), o mundo vai precisar de 60% mais alimentos até 2050 e a produção irrigada de alimentos vai precisar aumentar mais de 50% nesse mesmo período. Só que essa oferta de água não estará disponível, ainda mais sob as incertezas dos efeitos das mudanças climáticas globais. A FAO estima que o potencial de água captada na agricultura pode limitar-se a 10%, restando, assim, um déficit hídrico global de 40% para produção de alimentos até 2030. No caso do Brasil a situação é ainda mais grave, pois há o desperdício de 25% da água consumida na produção de alimentos em decorrência de um desperdício de alimentos que varia entre 30% e 35%.

4. Conclusões

Será preciso gerenciarmos imediata e adequadamente o conflito entre oferta e demanda por água doce no Brasil e no mundo. Para isso será necessário diminuirmos a demanda, seja por um processo educativo de redução dos nossos padrões de consumo (inclusive por meio de dietas mais sustentáveis e saudáveis), seja por medidas de reuso da água, por medidas de combate ao desperdício ou por medidas reguladoras e fiscalizadoras mais restritivas. Por outro lado, precisaremos ampliar a oferta aumentando a proteção dos mananciais naturais, consorciando a infraestrutura verde (ecossistemas naturais) com a cinza (obras de infraestrutura hídrica), quantificando os serviços ecossistêmicos e ampliando as inovações no campo das tecnologias sociais para a segurança hídrica como, por exemplo, a captação e o tratamento de água de chuva em sistemas descentralizados. Temos uma década pela frente, e ainda há tempo de revertermos esse quadro, necessitando de compromissos ambiciosos de todos os setores da sociedade. A pandemia de COVID-19 representa uma oportunidade para repensarmos a forma como temos conduzido nosso desenvolvimento econômico, que precisa respeitar os limites da natureza e a complexa interconexão entre todos os seres vivos.

UNESCO e FASHION REVOLUTION são parceiros no Museu Planeta Água, Projeto em desenvolvimento em Curitiba-PR. Para conhecer melhor o projeto, siga: @museuplanetaagua.

Sobre o autor:

Glauco é biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo e possui mais de 20 anos de experiência em conservação da biodiversidade. Sua formação acadêmica inclui especialização em Conservação de Parques e Reservas Naturais pela Universidade Estadual do Colorado, EUA, e em Manejo de Bacias Hidrográficas pela UNESCO-IHE, Holanda. Trabalhou por 15 anos nas ONGs ambientais “The Nature Conservancy” e “WWF-Brasil” coordenando programas de conservação de rios e ecossistemas de água doce. Essa experiência o levou para a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (ADASA) e para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) onde trabalhou na coordenação do 8º Fórum Mundial da Água, o maior evento global sobre o tema ocorrido em Brasília em 2018. Atualmente é Oficial de Projetos de Ciências Naturais da UNESCO no Brasil.