O Baobá

By Fashion Revolution

4 years ago

O BAOBÁ

por Rafael Silvério*

Dia 21 de setembro sempre foi um dia especial pra mim, além de ser o dia do meu nascimento é o Dia da Árvore. Tenho amigos que me ligam dizendo: “feliz Dia da Árvore!”.

Nas minhas pesquisas afro centradas, me deparei com o Baobás, gigantescas árvores de forma variável e casca peluda que crescem na África Central, de espécie nativa das regiões semi-áridas da África Sub-Sahariana.  

Existem várias lendas sobre a origem do seu curioso aspecto. Uma das mais famosas sobre a sua origem trata-se da punição dos deuses pela vaidade da árvore: diz-se que há muitos anos atrás, a Baobá  era espectacular  também pela sua beleza, com uma frondosa ramagem de folhas verdes e suculentas, além das suas coloridas e perfumadas flores.

Os deuses, espantados com tanto opulência, concederam o dom da longevidade. Desde então, cresceu sem parar, tornando-se mais forte, alta e sublime, mas ocultando o calor do sol, dando sombra às restantes árvores, não deixando-as crescer e causando muito frio às criaturas da floresta.

Longe de se sentir culpada pelos problemas causados e vendo que não parava de crescer, desafiou os deuses dizendo-lhes que em breve chegaria até eles. Em réplica imediata, eles a puniram pela sua arrogância, plantado-a de cabeça para baixo e deixando os seus bonitos ramos, flores e folhas debaixo da terra, ficando com o aspecto atual em que parece que as suas raízes olham para o céu, pedindo perdão aos deuses. 

Refletindo que se pensarmos no mito a partir de uma análise social, conseguimos exercer gratidão pelo legado garantido? Ou tudo que os nossos dos antepassados deixaram como regalo acabamos, de maneira consciente ou não, nos engrandecendo como a enorme Baobá achando que somos cerne de alguma coisa? 

Exercemos afeto e reconhecimento pelas roupas que herdamos, seja elas dadas, doadas para nós? Realmente honramos a cadeia produtiva de forma quase sagrada pelo presente? Sabemos que o mercado de roupa de “segunda mão” cresceu nos últimos anos – e quero acreditar que é também por uma consciência ambiental e amorosa e não apenas por uma questão de crise financeira que fez com que consumidores ativos vissem isso como a “única” oportunidade de acessar um produto fashion.

“Costumo dizer que roupas se tornam testemunhas oculares da vida de alguém, pois para cada momento marcante da vida de qualquer ser humano, existe uma roupa que assiste silenciosamente o desenrolar da situação enquanto emoldura o corpo e o protege fisicamente.”

Afinal essa peça afetou pessoas além de produzir impacto negativo para conceder a você o privilégio de se adornar e proteger. E se for um produto de repasse, antes de lhe pertencer ele fora companheiro mudo da vida doutro humano. Valorizamos essa história ou apenas reproduzimos um ato de vestir inconsciente por convenção social?

Temos afeição sobre a relação humana das roupas, os processos intelectuais e de desenvolvimento pessoal de cada pessoa ligada a cadeia? O que planta e colhe algodão, o que carrega o caminhão para transportar essa matéria prima até o lugar que o transforma em fio, o tecelão que manuseia o fio recém chegado a trama e urdume. Entendemos realmente o processo de venda desse tecido para marca ou confeção vemos mesmo sob essa ótica?

Sou de neto de duas costureiras, tanto minha avó materna quanto a paterna são/foram costureiras, ambas sustentaram a família e construíram lares com o suor do trabalho, noites em cima de máquinas de costura, horas de riscos sobre o molde, corte ao tecido, costura e acabamento,  remendando tecidos e fazendo ajustes para uma produção de roupas usadas por terceiros que não vislumbravam esse cenário antecedente, nem tão pouco se comovem para todo impacto deste.

Costumo dizer que roupas se tornam testemunhas oculares da vida de alguém, pois para cada momento marcante da vida de qualquer ser humano, existe uma roupa que assiste silenciosamente o desenrolar da situação enquanto emoldura o corpo e o protege fisicamente.

A camiseta de um ex-namorado, o casaco da tia que ela sempre usava em datas especiais, ou mesmo aquela peça de roupa que usamos quando chegamos do trabalho, limpa, pronta para nos acompanhar na jornada doméstica usada para relaxar e maratonar aquela série favorita em um canal de streaming .

Nesses anos conheci poucos profissionais da área que tem essa ciência, e que suas intenções como Moda são como veículo para  micropolítica ao invés de status quo elitista e meritocrático. 

Sejamos proativos em pensar em peças de roupas como círculo íntimo de amigos, que nunca esquecem de nós, muito pelo contrário, somos nós que geralmente acabamos sendo cruéis na forma do uso demasiado e não gentil.

Será que todas as questões ambientais socioeconômicas que estão acontecendo já não seriam os deuses nos castigando, assim como fizeram com os velhos Baobás pela síndrome de grandeza? Será que teremos além de toneladas de roupas esvaziadas de propósito para deixar aos nossos sucessores, roupas com histórias? Roupas testemunhas de uma mudança sistêmica capacitada por uma nova perspectiva mais plural e integrativa? 

Fica meu otimismo eco-afrofuturista que essas tecnologias estão estabelecida pela expansão cognitiva, para que o futuro seja melhor. Melhor do que foram desenhado pelos meus, e os seus antepassados.

*Designer Preto de Moda e Consultor de Branding. Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013) e Pós Graduação na UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior(2016) designer participante da Casa de Criadores (2019) com sua marca @silveriobrand, que propõe pela moda uma maneira de reconhecer seus sentimentos e questionando a nossa noção de belo, através de volumes inventivos e silhuetas lúdicas por um olhar romântico. Trabalha como consultor de branding para marcas e negócios relacionados a criatividade.

Crédito da Imagem –  Getty Images/iStockphoto