E aí, VAMO?

By Fashion Revolution

3 years ago

por Rafael Silvério

Hoje, dia da Consciência Negra, tenho a honra de usar o meu privilégio e alcance para contar sobre um movimento que nasceu após as movimentações pró equidade racial e criado por várias pessoas da nossa indústria chamado VAMO: VETOR AFRO INDÍGENA NA MODA.

Antes de mais nada, o VAMO é um chamado pessoal que nunca tive coragem de honrar. Fui embranquecido e envenenando em prol da aceitação de pessoas brancas que nunca viram brio nos meus talentos. Aceitei o legado dos meus ancestrais que me protegeram mesmo quando não fui capaz de gerar minha própria luz.

Meus amigos sempre foram brancos demais para entender a complexidade de ser um homem preto na moda, e depois da faculdade (que também nunca entendeu a minha forma de me expressar) o demônio de olhos azuis me ludibriou para que não fosse daquela forma, para que o sucesso nunca chegasse nas minhas mãos. 

A sensação sempre fora de ser tocado pelas costas das mãos de Deus. 

Houve uma noite que eu chorei e rezei ao Universo que me tirasse o ar, pois eu não poderia continuar a sofrer. E eis que ele me abriu um portal para o futuro, em que através deste nenhum outro Rafael sofra para obter as ferramentas necessárias para desenvolver em si seus potenciais criativos sem precisar vender um pedaço de sua alma para ser, estar e fluir como as águas doces que respondem o chamado para encontrar o Oceano.

Tempo de compreender que o seu feminino não é demérito, que a sua masculinidade não precisa reforçar padrões tóxicos, que a sua sexualidade pode andar de mãos dadas com a sua espiritualidade para além da carne, e que seu corpo é só dele e demais ninguém; que a nutrição dos afetos não é desvalia, e nutrir é o que de mais bonito um ser pode fazer pelo outro. 

Ouçam nossas irmãs e irmãos na beira dos rios a quarar as roupas nas pedras cantando para seguirmos o caminho das águas. Ouçam nossas mães, nossas avós, nossa ancestralidade… É o chamado, irmãs e irmãos. 

Nessa esfera, nenhum de nós precisa disparar ou competir entre si e nem atravessar uma fase no qual pensamos constantemente em desvalidar nossa própria vida. Os corações são o que são de mais puro que possam ser.

Nessa linha temporal, o Rafael de ontem encontra com as pessoas que explicam que ele é parte de algo maior, que o religar com a sua ancestralidade é algo que vive no seu peito e sela todo mal que porventura cruzar o seu caminho. E mesmo que ele se sinta menor, ele vai aprender a se amar mais e a restabelecer a sua fé. Irá aprender que ele é fundamental,  que há amor acumulado por outras vidas, e que esse é o único conselho que ele precisa seguir, o de acreditar que ele é o sonho das suas avós, que tramar uma linha entre dois tecidos é honrar a linguagem de mulheres e homens que deram a chance para que hoje ele pudesse construir esse portal. 

Com os olhos cheios d’água de um GUARDIÃO, eu abro nosso BOTSWANA, para que nele você seja bem vinda e bem vindo. Honrando nosso solo e a todos que aqui estão cientes de que somos parte de algo maior, te conto como tudo aconteceu.

Em Junho de 2020, fui atravessado (como toda população consciente) por questões étnico-raciais. Finalmente o meu desconforto tinha ganhado voz, junto com aquela sensação de nunca se sentir parte de nada mesmo estando entre tantos, de nunca se sentir realmente pertencente, mas apenas tolerado. Os anos de racismo velado estavam se findando.

Tive um ataque verborrágico em um grupo de profissionais da moda que discutem sustentabilidade quando um dos integrantes demonstrou seu desejo em me silenciar. Na ocasião, um homem branco procurava por referências de como outras marcas de moda faziam ações afirmativas no #BlackoutTuesday. Falei que há anos eu assistia o debate sobre sustentabilidade na moda e a não contemplação das causas sociais, e se adentrasse questões raciais, o abismo era maior ainda. Então, foi proposto uma videoconferência em um aplicativo de reuniões para discutir as questões. Na época éramos seis, sendo eu o único preto. Lá estava eu exposto a uma audiência , atenta, mas branca. 

Decidimos abrir um grupo de mensagens e fomos adiante, logo o grupo cresceu e o número de participantes aumentou consideravelmente na segunda reunião. Aumentou-se o número de pessoas pretas em mais de 500%, e tateando no escuro fui assumindo um lugar de liderança que eu sempre rejeitei. Ganhar voz é aprender a se amar pelos olhos alheios, e aos poucos, toda a água que eu engoli era jogada para fora do estômago com cada novo VAMER que adentrava em nossa egrégora, fazendo com que a coragem deste, fosse associada da minha. 

Ao longo dos meses, começamos a prototipar o que seria o movimento e qual seriam nossas premissas, pois nas reuniões que antes eram apenas para debates, se transformaram em ações afirmativas. Me lembro de listarmos uma série de opções de nomes, e entre eles lá estava o nome – VAMO. Como abreviatura, decidi junto com Guilherme Marques (quem assina a nossa comunicação gráfica) que assim poderia ter o apelo popular e resumir praticamente tudo que queremos fazer.  

Houve momentos que eu me perguntava se esse era o meu lugar, mas quando me afastava, uma força gravitacional me puxada de volta, era a minha intuição se fazendo presente, como se todo o meu caminho fosse para criar esse momento com todos os meu e para os meus. 

O movimento é formado por um time de profissionais interraciais e nasceu para iniciar um processo reparatório na moda nacional, onde pretos e indígenas possam ter ferramentas e oportunidades anteriormente negadas pela estrutura racista do mercado.

Um chamado para o exercício através de uma educação descolonizada do pensamento eurocentrista e que tem como objetivo criar espaços, métodos e ações equitativas que viabilizem, valorizem, empoderem e transformem a realidade e o pertencimento da população afro-indígena multi potencial na indústria e na sociedade.

Hoje somos um grupo com 90 VAMERs e mais de 20 marcas associadas.

Os VAMERs estão espalhados por 5 estados do Brasil (SP, RJ, MG, SE, CE e PE) e dividem-se em 4 subgrupos: VAMER Voluntário, Consultivo, Ansião e Guardião. Para 2021 iremos trabalhar em eixo centrais: educação pró equidade racial e promoção de marcas e talentos afro-indígenas, com os seguintes objetivos: coordenar uma educação que possa restaurar o encontro de pretos e indígenas com suas ancestralidades e potencializar seus talentos; contribuir com narrativas afro-indígenas dentro do cenário da moda nacional; contribuir com condições favoráveis para o desenvolvimento de habilidades que possam ser absorvidas e atuantes no setor da moda, influenciando empresas, instituições e mecanismos de investimento em movimento reparatório; e fortalecer eixos já atuantes no mercado visando o desenvolvimento saudável e pró equidade racial.

O Fashion Revolution é um dos nossos apoiadores institucionais e VAMO atuar juntes na área educacional no próximo ano. 

Para participar do movimento, inscreva-se neste questionário. Devolveremos um e-mail, dizendo o processo de submissão para novos VAMERs Associades. 

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