Como estão os trabalhadores da moda em meio a pandemia, no Brasil?

By Fashion Revolution

4 years ago

O setor do têxtil e vestuário concentra 8 milhões de trabalhadores no Brasil – em sua maioria informais: 6,5 milhões [ABIT, 2018], e vem sendo duramente impactado pela crise socioeconômica que se desenha em decorrência da pandemia de coronavírus. Muitos trabalhadores enfrentam queda nas demandas de produção, desemprego e redução salarial, o que pode agravar ainda mais suas condições de trabalho.

Conversamos com Khin Borges, assessora de empreendimentos da Aliança Empreendedora no programa Tecendo Sonhos, que presta consultoria para imigrantes costureiros em São Paulo, e Victor Parraga, agente social do CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Imigrante) sobre como tem sido a realidade para os costureiros e costureiras – principalmente os autonômos.

Fashion Revolution Brasil: Como os trabalhadores do vestuário têm sido afetados e como estão lidando com a crise socioeconômica que se desenha por conta da pandemia de Covid-19?

Victor (CAMI): Os trabalhadores do vestuário foram bastante afetados, porque principalmente os imigrantes têm o trabalho diretamente com a confecção (é aquilo que eles sabem fazer e exclusivamente porque vieram para o Brasil). 

Temos mais de 20 mil oficinas de costura de imigrantes, principalmente de bolivianos, e como o comércio parou por conta da pandemia, eles são os mais afetados, pois dependem disso.

Khin (Aliança): Nós estamos fomentando e apoiando a formação de uma rede composta por oficinas que já passaram pelo Programa Tecendo Sonhos em anos anteriores. O objetivo dessa rede é fortalecer os empreendimentos para que possam superar essa crise juntos. Seja apoiando uns aos outros ou atendendo serviços juntos, quando uma oficina sozinha não dá conta de atender. Temos mais de 30 oficinas participando neste processo. E estamos preparando essa rede para que possa atender grandes demandas de produção de máscaras de tecido neste período de COVID-19. 

Essa ação está acontecendo através do apoio a OIT – Organização Internacional do Trabalho. Este apoio prevê não só o fortalecimento dessa rede, mas também a produção de conteúdos voltados para ajudar as oficinas durante este período, como orientações de como produzir máscaras de tecido de acordo com as normas da ABNT e seguindo as recomendações da Anvisa.

Fashion Revolution Brasil:  A maioria das oficinas fez a transição para a produção máscaras e outros EPI’s?

Khin (Alinça): Todas as oficinas que apoiamos passaram por essa transição. E tem sido muito difícil manter o sustento necessário somente com essa demanda. Já que todos as marcas e cliente pararam de fazer pedidos. Aliás, existem marcas que começaram a produzir máscaras e solicitam esse tipo de serviço para eles. 

Victor (CAMI): Temos 90% das pessoas das oficinas de costura que fizeram essa migração para trabalhar confeccionando máscaras. Fizemos um formulário para captar as pessoas e oficinas que estavam interessadas na produção de máscaras, porque algumas fábricas e empresas entraram em contato conosco para procurar oficinas de costura. Recebemos por conta do formulário mais ou menos 1500 ligações para fazer as indicações das oficinas para os empresários; e daquelas 1500 ligações, foram realizados de 700 a 800 cadastros solicitando para produzir ou costurar, fazer a mão de obra ou oferecer matéria prima e acabamento.

Fashion Revolution Brasil: A demanda por máscaras tem sido muito alta? Qual tem sido o valor de remuneração?

Khin (Aliança): Tem sido sim, mas não o suficiente para que se sustentem. Até porque os preços praticados são muito baixos. Já ouvimos relatos de costureiros que fazer a máscara de TNT tipo cirurgica por 0,15 a 0,20 centavos. Então, infelizmente nessa situação podemos notar também a desvalorização da mão de obra e o aumento das jornadas de trabalho para que se tire algum proveito deste preço. Pra máscaras de tecido, alguns tem praticado o valor de 3,00.

Nós temos orientado as oficinas beneficiadas pelo programa a investirem apenas nas produções de máscaras de tecido. Primeiro pela possibilidade de conseguir uma remuneração mais justa. Segundo porque nenhuma oficina tem condições seguras, sanitariamente falando, e nem equipamentos adequados que possibilitem a produção de máscaras cirúrgicas no rigor que é necessário.

Victor (CAMI): A demanda das máscaras foi bastante; primeiro começou com TNT, possivelmente para alguns hospitais, mas depois veio a procura das máscaras caseiras de algodão.

Em relação a remuneração, é bem baixa. Alguns deles antes de entrar em contato conosco, haviam tabelado um preço para fazer a remuneração; não fizemos ainda um modelo exclusivo de precificação, mas combinamos de se reunir com 30 oficinas de costura para tentar fazer isso, mas com a demanda e com a necessidade, eles discordaram e fizeram sua própria precificação. Ai se disparou como um leilão. É no mesmo sistema que acontece na produção do vestuário: quem dá menos costura a peça. Por exemplo: empresa “X” vem, e diz “quanto você cobra?”, “dez reais”, “ah não, seu ‘Patricio cobra 7 reais…então…”. É um leilão ao contrário: quem cobra menos pega o serviço. Aconteceu com alguns deles, que estão cobrando bem barato a mão de obra. Eles olham mais para a necessidade, o desespero mediante das contas, então por essa razão isso acontece. 

Não é novidade

Essa dinâmica não é nova na indústria da moda – como Victor colocou em sua última resposta. As violações também foram reveladas na reportagem da organização Repórter Brasil, intitulada “Trabalho escravo, despejos e máscaras a R$ 0,10: pandemia agrava exploração de migrantes bolivianos em SP”.

Nossa missão tem sido lutar para que trabalhadores e trabalhadoras da moda não sejam mais explorados, em nenhuma circunstância. Você pode seguir engajado, perguntando #QuemFezMinhasRoupas e apoiando iniciativas que fazem um trabalho de base: confira algumas aqui.

Para ler mais sobre o assunto, veja também: Os impactos da covid-19 nas relações de trabalho: quão responsável é a indústria da moda?Pandemia de covid-19 impacta os trabalhadores do vestuário no Brasil e no mundo.

por Bárbara Poerner